segunda-feira, 23 de junho de 2014

Kaze Tachinu

Alegadamente, este será o último filme de Miyazaki, ou pelo menos este último voltou a anunciar, pela sexta vez, que se vai retirar do Cinema. Sendo sincero, e querendo primeiro “limpar a garganta” disso, devo alertar que, embora eu seja um admirador de Anime, não sou grande seguidor deste realizador. Particularmente, porque tenho a impressão que os filmes dele são muito feitos para crianças, enquanto que o que me atraiu para o Anime é que uma grande porção deste género é especificamente feita para adultos… e não, não me estou a referir apenas ao Hentai, seus tarado(a)s! Afinal, o Anime explora o fantástico, a ficção científica, mitologias e futurismos, de uma forma muito interessante, mas recorrendo às liberdades próprias da animação.
Contudo, este filme achei-o mais na tradição do Anime que eu admiro que na habitual fantasia “infantil-amigável”, quasi-paternalista do Miyazaki. Já o “Howl’s Moving Castle” deixava de lado o paternalismo e também com uma mensagem anti-guerra, verdade seja dita, embora ainda numa onda de absoluta fantasia. Mas este filme pretende ser mais realista, mais historicamente correcto e mais directo.
Acompanhamos a vida de um rapaz, o Hiro, que sonha com fazer aviões e cresce para se tornar num brilhante e dedicado engenheiro aeroespacial. Mas ele começa a sua actividade de escolha pela altura em que o Eixo do Mal original se está a formar, a aliança entre a Itália de Mussolini, a Alemanha de Hitler e o Japão de Hirohito, levando-o a exercer tendo em conta que irá fazer aviões para serem usados na guerra.
O filme é uma biografia ficcionalizada de Jiro Horikishi (1903-1982), o engenheiro responsável pelo Mitsubishi AM5 e o seu sucessor o Mitsubishi AM6 Zero, aviões que vieram a ser usados pelo Japão na II Guerra Mundial. O enredo é adaptado duma Manga homónima, escrita pelo realizador, que foi por sua vez ligeiramente inspirada num conto curto de 1937, escrito por Tatsuo Hori, e chamada "O Vento Elevou-se".
Ao longo do filme, encontramos um Japão inundado de pobreza, procurando desesperadamente “apanhar na curva” o então “mundo industrializado”, aspirando assim melhorar a sua riqueza interna e nível de vida. Uma lembrança interessante de que a austeridade normalmente precede a guerra. O filme lida então com questões morais, no sentido de que os que sonham em fazer belas máquinas voadoras têm de enfrentar o terrível facto de que elas irão primeiro ser usadas para o Mal. A certa altura, uma das personagens, um dos engenheiros, afirma que prefere “viver num mundo com Pirâmides”. É uma afirmação subtil mas que dá um enorme reforço a essa discussão moral que decorre no filme, uma vez que as pirâmides embora belas e um incrível testemunho do engenho e capacidade humanas, foram feitas com uso de trabalho escravo, por uma sociedade teocrática e totalitária. Ainda assim, sendo eu contra (e falo agora por mim) quaisquer tipos de escravatura e ditadura, também eu não gostaria de viver num mundo sem pirâmides e sempre que as vejo ser destruídas num filme, sinto-me enormemente triste. Continuando a falar de mim, e sendo que já fiz parte duma equipa que criou um protótipooriginal de avião telecomandado em miniatura, devo dizer que sei bem a alegriade vermos algo que nós ajudámos a conceber, construir e para o qual dedicámostempo e trabalho, voar é enorme e indescritível.
Este tipo de ideias assim subtilmente dando corpo e substância ao filme, a alusão à II Grande Guerra sem a abordar directamente, adicionadas a umas quantas de personagens que não sendo pró-guerra se vêm forçadas a dela participarem por força dos seus líderes, é uma óptima maneira de quase subliminarmente avisar as crianças para os perigos dos desejos de aumentar a nossa riqueza pela agressão para com os nossos vizinhos. O filme continua a ter fantasia, mas esta passa-se nos sonhos da personagem principal, encorajando o espectador a sonhar. Dessa perspectiva, eu tenho para comigo que este filme é possivelmente o melhor filme por Miyazaki, não só realizador mas também guionista, porque finalmente fala para as crianças não como crianças, mas como se elas já fossem adultas. Para mim essa é a maneira certa de falarmos como crianças e afirmo isto porque, já tendo sido crianças, bem sei o quanto odiava paternalismos das pessoas e desenhos animados fofinhos e desprovidos de qualquer maldade ou subtilezas realistas como, por exemplo, os Teletubies. Assim sendo, espero que este sexto anúncio de reforma não seja mais que o antecessor do sétimo e que o senhor Miyazaki continue a evoluir e a fazer belos filmes de anime. Porque independentemente da história, todos eles são belos.
Preciso ainda de dizer que achei, particularmente no início e pontualmente ao longo da obra, o filme parado, mas ganha bom ritmo à medida que passa do meio da sua duração e se aproxima do final. Gostei muito da história romântica que surge na segunda parte e que é toda ela trágica e adulta. Adorei as personagens, que estranhamente, à excepção de membros das polícias políticas dos regimes em questão, são todas boas pessoas, sendo a personagem principal um autêntico herói da vida quotidiana. Isto é, uma pessoa que está sempre no seu auge moral e trata os outros com todo o valor, independentemente do seu status social ou proveniência.
O Japão é também espectacularmente bem retratado, mais uma vez os tremores de terra são uma constante do sofrimento nipónico, e a cena do tremor de terra achei-a soberba.
Numa última nota, eu vi a versão dobrada em inglês e reconheci até Lars Von Trier a interpretar um alemão não nazi e que anda de facto a fugir da Gestapo, que é uma ironia deliciosa considerando toda aquela sua última controvérsia em Cannes, ainda não há muito tempo. Não reconheci a voz de Joseph Gordon-Levitt, muito para crédito deste último. Os desenhos animados, anime ou não, são das poucas coisas em que eu tolero a dobragem como substituto da legendagem, embora nem aí goste muito, por muito que perceba a questão económica. Há muito actor a precisar de emprego e esta é uma boa maneira de ganhar algum. É, para mim, a única boa justificação. É que eu aprendi inglês de forma nativa por ser criança num tempo em que nem os desenhos animados eram dobrados. E não fui o único e acho que é uma vantagem linguística que essa cultura da legenda traz aos portugueses e que deve ser defendida, embora não de forma fanática ou intolerante. Dito isto, o título em Português é uma tristeza... "As Asas do Vento"... é que não tem nada a ver com o título em Japonês e além disso é simplesmente patético. "O Vento Eleva-se" ou "O Vento Ergue-se" serviriam perfeitamente.
Em suma, um filme perfeito para os pais verem com os filhos e começarem desde pequeninos, quando se começa a torcer o pepino como diz o povo, a aprenderem sobre algumas das maiores asneiras da Humanidade, com as consequências das quais ainda vivemos, a ver se de futuro não cometemos os mesmos erros. É importante notar que este filmeestreou numa altura em que o Japão luta consigo mesmo para manter o artigo 9 dasua Constituição que impede formalmente o país de declarar guerra a outrospaíses, algo que eu já aqui abordei num post para o qual chamo novamente avossa atenção.


Como Post Scriptum e em jeitos de despedida, deixo-vos umas dicas de actividades para o futuro próximo.
Uma produção de Sandra Fanha, com realização de José Barahona, dia 27 de Junho no MU.SA (MUSEU DAS ARTES DE SINTRA), estreia "Vianna da Mota", numa projecção ao ar Livre (mais informações abaixo).




A Estação Espacial Internacional (ou ISS na sua sigla inglesa), uma adolescente de 15 anos feitos no ano passado, tem agora 4 "olhos" com os quais observa a Terra, sua avó/nossa mãe se quisermos personificar a coisa, numa experiência para escolher a marca e modelo de câmaras a usar de futuro nas suas operações. A NASA está a fazer live feed (ou seja a transmitir imagens em directo) na internet provenientes dessas câmaras, embora só se consiga ver quando a ISS está no lado diurno da sua rotação. (link aqui) Dura até Outubro.
Sayonara, tomodachi! ;)

quinta-feira, 19 de junho de 2014

GOJIRA

Recordar-se-ão os leitores assíduos aqui do Samurai que eu fiz em temos um post sobre as origens do Godzilla intitulado Hibakusha II: O Rei dos Daikaiju.
Desta volta, vou apenas limitar-me a fazer uma crítica de cinema relativa ao novo filme do Rei dos Daikaiju.
O filme chega-nos pela visão e direcção de Gareth Edwards, realizador que fez o filme “Monsters” que estreou em 2010 e captou a atenção dos cinéfilos de todo o mundo pois foi o primeiro a conseguir efectivamente criar no seu quarto todos os efeitos especiais digitais do filme, mas com a qualidade ao nível de Hollywood. Para aqueles de vocês que sejam fluentes em inglês sugiro-vos a entrevista que o Dr Mark Kermode fez ao então jovem realizador exactamente devido a esse feito, que vos deixo aqui linkada.
O novo “Godzilla” tem muito do carácter do filme de estreia do realizador, por isso é bastante interessante ver os dois filmes de seguida e por ordem de data de estreia. Ambos os filmes procuram centrar-se em personagens humanas, através das quais experimentamos uma Terra onde monstros enormes e poderosos existem abertamente e causam problemas aos humanos. Mas enquanto em “Monsters”, o filme não evolui dessa dinâmica, em “Godzilla” o próprio monstro torna-se uma personagem, pela qual começamos a torcer, e como que se torna mais importante que os humanos que temos anteriormente andado a seguir durante o filme. Considerando o título do filme, não só foi uma boa jogada, como era a única jogada de sucesso.
Uma outra coisa interessante em “Godzilla”, e que também o diferencia em “Monsters”, é o facto dos humanos surgirem literalmente como se fossem colónias de formigas desesperadamente a fugirem dum luta de dois humanos sobre a sua metrópole. É que neste filme os humanos nada podem contra os monstros, tal como as formigas nada podem contra humanos.
É notório nos bonecos relativos aos dois últimos filmes do Godzilla essa diferença. Na primeira adaptação americana, os bonecos que sairam eram tipo GI Joe, com os homens tão importantes ou mais que o Godzilla (figura à direita). Nesta última versão, os monstros é que interessam e os humanos estão lá como se fossem cenário (figura à esquerda).
Como não podia deixar de ser num reboot (recomeçar) da frandchise, que já agora já tem confirmada uma sequela com o mesmo realizador ao leme, a história procura reintroduzir o Godzilla e, portanto, é uma história de origem. Assim a origem do rei dos monstros é recontada. Acaba por não se distanciar muito do original, mas ao invés de ser um produto da radiação de bombas nucleares sobre animais, acaba por ter uma inclinação ecológica e dizer que estes monstros precederam os dinossauros e viviam num era onde a radiação à superfície terrestre era muito mais elevada. Assim, quando os americanos começaram a mandar bombas e muitos países a fazerem reactores nucleares, os sobreviventes ou descendentes dessas raças acordam de hibernação. Essa premissa, algo que defeituosa devido à escala de tempos envolvida, já foi antes usada para explicar os dragões em “Reign of Fire”, o meu filme favorito com dragões, mas depois encaixa bem numa explicação de cadeia alimentar que completa o sentido lógico da história.
A ideia de que há uma conspiração em que os governos estão a esconder algo das populações que dizem servir e toda a paranóia que acompanha essas ideias, talvez não tão descabidas quanto isso como a realidade nos mostra(refiro-me, por exemplo, ao programa de espionagem norte-americano), é muito bem instrumentalizada para dar corpo ao início do filme. Isso e uma certa consciência do horror do desastre natural de Fukushima e de como as uzinas nucleares quando destroçadas pela Natureza podem, literalmente, envenenar a Terra. Simplesmente, em vez de movimentos da crosta terrestre, o que causa a destruição são as alimárias pré-pré-históricas que dão mote ao filme. Mas o governo local ter de evacuar as pessoas de uma zona radioactiva, deixando vidas inteiras para trás, casas desprovidas de vida, mas cheias de memórias, completamente mobiladas, cidades inteiras tornadas urbes fantasmas, tudo isso surge abertamente reforçando a credibilidade do filme, recordando os terríveis acontecimentos do passado muito recente.
A única coisa que me chateou no filme, ou que achei idiota, foi os militares continuarem a armar-se com metralhadoras e pistolas quando já sabiam o que enfrentavam e que nem bombas nucleares os matavam. Algo que estúpido. Os militares não têm a tendência de carregar armas desnecessárias.
Também achei desnecessário a ida para São Francisco. Aquela ponte já foi mais vezes destruída nos filmes que o cagar da ameixa, passo a expressão, e não era necessário americanizar mais ainda o filme.
Quanto ao boneco, o Godzilla está engraçado, uma mistura de gorila e dragão de Komodo. Embora eu não me junte nem ao grupo que odiou a versão anterior do Godzilla, a que os japoneses chamaram só Zilla porque acharam-no muito pequeno ahaha, nem ao grupo que achou este Godzilla gordo (parece que assim aconteceu entre espectadores nipónicos… nunca estão satisfeitos ahaha), não desgostei desta nova encarnação e o CGI está bem feito e não temos a sensação de falta de peso no boneco, tal como ela não havia no filme do Guillermo Del Toro “Pacific Rim” (ler a minha crítica a esse filme aqui) com os seus kaijus e robots gigantes (criticado por mim aqui). E isso e o sentido de escala é o essencial nestes filmes.
Gostei da banda sonora e do tom negro e mais sério do filme, que contrasta com a versão americana anterior. Os actores estão todos de parabéns, sem que haja nenhum que sobressaía durante o filme, excepto talvez o próprio Godzilla. A cena da qual se vê um pouco no trailer do salto HALO é magnífica num grande ecrã.
Resumindo, é um óptimo filme, próprio para qualquer idade e que merece o grande ecrã. Eu vi em 2D e IMAX. Não me parece que o 3D lá contribua nada, para além da eventual coisa pontiaguda a sair do ecrã, mas como não vi em 3D não afirmo, só suspeito. Aguardo com altas expectativas (o que nunca é bom) a continuação.
De salientar, numa outra nota, que o Godzilla tem agora um planeta com o seu nome!
E, para os mais nerds de nós, eis também uma curiosidade, da qual o mérito não é meu, sobre quando estreou o primeiro filme do Godzilla, o original japonês, em Portugal, ainda nos dias do Estado Novo e com um título idiota:
Se tiver tempo e pachorra, traduzirei aquele vídeo da entrevista do Kermode ao Edwards e depois linko-o aqui também!
Para lá do filme e como já não venho cá há demasiado tempo, deixo-vos aqui também umas actividades para este fim-de-semana e para o resto do mês:
-. esta sexta e este sábado, 20 e 21 respectivamente de Junho, a iniciativa 24 Horas, no Pavilhão do Conhecimento. Notem que o site está sem Acordo Ortográfico... yeah!! :D
- sábado, dia 21 de Junho, a partir das 16h, no Jardim do Japão em Belém, para lá da Torre de Belém, à beira Tejo e ao lado do CCB, a Festa do Japão terá novamente lugar:
-  uma oportunidade para os que tiverem condições para isso, até dia 25 de Junho ainda se podem inscrever nas bolsas para estudar no Japão. Toda a informação no link abaixo:
- por último, uma produção de Sandra Fanha, com realização de José Barahona, dia 27 de Junho no MU.SA (MUSEU DAS ARTES DE SINTRA), estreia "Vianna da Mota", numa projecção ao ar Livre (mais informações abaixo). "Um músico prodígio nascido no século XIX...":
E por hora me despeço, senhoras e senhores, irmãos e irmãs, camadaras e amigos, que amanhã tenho um dia inteiro de despedida de solteiro do meu melhor amigo, do qual tenho também a honra de ser padrinho de casamento. E para isso, com'é lógic' (grande Jorge Jesus!!), não vos convido.
Sayonara, tomodachi! ;)

quinta-feira, 27 de março de 2014

Viva o Teatro!!

Hoje foi o Dia Mundial do Teatro.
Embora eu seja da opinião que um destes dias teremos um problema do caraças e teremos de voltar a alterar os nossos calendários, ou mesmo a reestruturá-los (como a dívida, ‘tão a ver?), porque já não teremos dias suficientes para todas as coisas cujo celebrar queremos consagrar com um dado dia, este é um dia que eu acho importante celebrar. E porquê?
O teatro é parte integrante de ser humano. Não, não estou a exagerar. Quando em pequenos fazemos birra, explodindo em choro por vezes sem razão nenhuma só para conseguirmos o que queremos, que é isso se não um teatro? Quando mais tarde pegamos em bonecos, utensílios de brincar ou apenas na nossa imaginação e nos tornamos em personagens de aventuras imaginárias que nos ajudam a passar o dia e também a crescer e a aprender, que mais estamos a fazer se não teatro? E mesmo não fazendo parte daquela classe que ainda em adultos têm o privilégio de continuar a brincar ao faz-de-conta, sendo para isso pagos, todos nós continuamos a ambicionar essa magia que nos pode levar a fazer rir, chorar, saltar de pavor, deixar melancólicos ou inspirar a mudar a nossa vida, essa magia do faz-de-conta que nos traz ao de cima a criança que há em nós.
Pode ser que o cinema e as séries televisivas sejam uma forma de teatro moderna, mas todos facilmente reconhecemos que no teatro dificilmente há take 2 e que se as coisas correm mal, ou o actor dá a volta rapidamente ao texto e os seus colegas o acompanham ou tudo falha. Para além disso, a relação entre o público e a plateia é íntima e não distante como as dos grande e pequeno ecrãs. Se é uma comédia que está a ser encenada e não há risos na plateia, isso afectará negativamente o desempenho do actor. O inverso é também verdade. Gera-se assim um espectáculo que é influenciado pela empatia humana. É essa ligação empática, quasi-telepática, que separa o teatro do cinema e da televisão. Além de que, claro está, o teatro é milenar e o cinema não mais que centenário.
Também passam teatro na televisão, por exemplo na RTP Memória as revistas à portuguesa ou mesmo os episódios de Wrestling importados dos EUA. Mas não é a mesma coisa. Falta a empatia. Eu percebi isso, estranhamente, graças ao Youtube. Descobri em 2012 que haviam encenado um musical de um dos meus filmes de culto favoritos, The Evil Dead. Procurei no Youtube e encontrei a peça em questão, isto é, encontrei uma videogravação da mesma. Embora a peça tenha feito imenso sucesso, embora eu goste de teatro, de musicais e do material fonte, não consegui achar piada àquilo em vídeo. Faltava a empatia, a atmosfera.
Eu já pisei um palco amador uma vez, ainda muito novo, e quase por achar que tinha algo a provar… a coisa correu mal e jurei para nunca mais. A minha fez teatro amador na sua juventude e ao que parece o meu avô, seu pai, também. Eu sempre preferi encenar peças com os meus bonecos. Mas até já essa capacidade perdi. Resta-me ver teatro… nem que seja o Sócrates, o Passos, o Seguro e o Portas, actores que seguem o Método sem dúvida, a mentirem ao país. É mau teatro, é pior que amador, é reles, mas é teatro ainda assim.
É trágico que tenhamos, já que toquei na política, um Presidente da República que vê um enorme potencial na Língua Portuguesa (ideia errónea que desmascararei quando voltar a falar do Acordo Ortográfico de 1990, me aguarrrdem!), um enorme potencial do Mar (no qual nada faz para que neste se invista, sendo que já tenha no passado feito muito para remover qualquer investimento nesta área), mas que não reconhece o imenso potencial económico das artes cénicas. Sim, porque se isto da dinheiro na Broadway, também o pode dar cá. Tal como o Cinema, já agora. Mas para a Direita Portuguesa, a cultura mais não merece que uma mísera Secretaria de Estado e os actores mais não são que “prestadores de serviços”. Quando este governo tomou posse, um dos seus membros originais veio anunciar que a guerra de classes havia acabado. Para tal, este governo prontificou-se a acabar com as classes. Quase o conseguiu: destroçou ou afugentou a parte da classe média que sobrevivera ao jugo de Sócrates e eliminou toda uma classe (a dos actores) despojando-os para efeitos fiscais do seu nome de classe, tornando-os indistintos prestadores de serviços. O Ruy de Carvalho, que cometeu o erro deneles votar, que o diga.
Verdade seja dita que não é só o Ruy (e trato-o assim porque além de individuo de pleno direito, o senhor é um tesouro nacional, o que o faz um pouquinho de todos nós) que se queixa, na minha opinião com razão, mas várias gerações de actores.
Dá vontade de desejar muita merda aos nossos governantes e aos seus mesquinhos e curtos horizontes, subjugá-los a uma forçada emigração por via de uma chuva de patacas furibundas! Hey, o teatro sempre serviu para castigar os costumes e satirizar a sociedade, revelando-lhe os podres, certo? 
Já agora, sabeis acaso, caro leitor, porque é que é de bom tom desejar muita merda a um profissional do teatro que tenha uma peça a estrear? Parece que em tempos idos, a nobreza ia ao teatro de coche. Se a afluência a um dada peça fosse grande, a entrada do teatro em questão ficaria ladrilhada de merda de cavalo. Este hábito de merdoso mas simpático desejar foi mais uma importação francesa do séc XIX.
Como disse o José Hermano Saraiva, em relação a um dos 12 trabalhos do Hércules que consistia em limpar os estábulos dos deuses: “Meus amigos, era muita bosta!
Mas a culpa é também nossa, do povo. Ah pois é! Antes de mais por, em geral nós (embora voto meu, e eu voto, jamais tenha eleito um governo), elegermos paspalhos sem ideias nem cultura, nalguns casos que se fazem até chamar de doutor sem nem uma licenciatura terem, que a troco dumas migalhas das grandes cortes europeias e duma boa próxima vida após a chamada “morte política” prontamente se predispõem não só a estragar o nosso país como a enterrar a nossa cultura e identidade. Depois, porque não vamos ao Teatro, não apoiamos Cinema Português, etc… Agora é da crise, que até é uma boa justificação, mas e nos tempos das vacas gordas, porque é que os teatros eram tão pouco frequentados em terras lusas? Em Torres Novas, de onde oriundo, havia um teatro que no meio tempo era cinema (foi onde de facto vi tanto o meu primeiro filme e a minha primeira peça de teatro, de que me lembre), que passou muitos anos fechado e abandonado, e foi recentemente recuperado pela Câmara, mas é muito pouco usado. E contudo, na minha adolescência, tive a felicidade de quase todas as semanas ir ao cinema, ver um filme que estreava.
A imagem acima foi retirado do facebook de uma jovem actriz, que é também a miss CPLP 2013, a qual eu já tive o prazer de ver ao vivo, numa peça, podendo assim afirmar-vos que é bem mais que uma carinha laroca, até porque é excelente com uma máscara!
Embora muitas destas imagens exibam manequins vestidos com kimonos tradicionais japoneses, as fotos foram tiradas no palco do Teatro Nacional Dom Carlos, o qual visitei em 2012. As fotos das e sobre as patacas também vieram de lá.



Antes de começar a falar do teatro japonês (porque afinal o blog é centrado no Japão), queria só, uma vez que é o Dia do Teatro, falar-vos duma iniciativa bem portuguesa que em tudo me agrada e que está relacionada com a imagem que abre este post. Refiro-me ao restauro do Palácio do Bolhão, no Porto, pela a Academia Contemporânea de Espectáculo, em prol do Teatro do Bolhão. Nesta iniciativa, sobre a qual melhor se podem informar no link abaixo, procura-se, ao mesmo tempo que se dá uma casa à nobre arte, restaurar um monumento nacional. Poderá haver causa cultural mais digna de ajuda? Em troca de pequeno contributo monetário, podem ver o vosso nome imortalizado num palácio da Invicta. Acho que é uma muito bela troca, se bem que injusta para a iniciativa em si que recebe apenas dinheiro. ;) 


Na Língua Japonesa (e segundo o tradutor da Google), Gekijō (劇場) é como se diz Teatro (Link para ouvir Pronúncia – vale a pena, pois parece quase um bramido de ovelha). Como em todas as grandes civilizações, o teatro é central na cultura nipónica, tendo evoluído, tal como no caso português, em várias formas: o Noh, o Kabuki, o Bunraku e ainda o teatro negro (não se preocupem, nada tem de racista eheh).
O teatro Noh, cujo nome deriva da palavra sino-nipónica para “perícia”, é uma das principais formas clássicas de drama musical japonesas, e é encenada desde pelo menos do século XIII D.C, sendo que a sua forma actual começou no período Muromachi. Muitas das suas personagens estão mascaradas e os actores, sempre homens, interpretam tanto papéis masculinos como femininos. Tradicionalmente, um “dia de teatro Noh” dura mesmo todo o dia e consiste em cinco peças Noh, intercaladas de peças Kyogen, peças mais curtas e humorísticas cujo o nome quer dizer literalmente “palavras loucas” ou “discurso selvagem”. Presentemente, o teatro Noh consiste em apenas duas peças Noh, intercaladas por uma peça Kyogen. É um campo de teatro muito codificado e fortemente, regulado pelo sistema Iemoto, que dá prioridade à tradição em detrimento da inovação. Mesmo assim, há quem faça reviver peças antigas e já abandonadas, há quem componha peças novas e mesmo quem crie peças que mescle esta variante com outras suas pares.
O teatro Kabuki, composto pelos kanji (cantar)(dançar)(habilidade), sendo por vezes traduzido de forma simplista para “a arte de cantar e dançar”, consiste numa forma muito estilizada de drama, com ênfase na maquilhagem dos artistas. Julga-se que o nome derive do verbo japonês Kabuku, que pode significar “encostar” ou “ser fora do vulgar”, sendo assim uma arte teatral que executa peças bizarras ou experimentais, a vanguarda do teatro tradicional japonês. De facto, o termo kabukimono é usado para designar pessoas que tenham uma forma bizarra ou fora da norma de se vestir no sei dia a dia. É muito mais novo que o Noh, tendo sido originado no século XVI D.C., período Edo da História do Japão, quando Izumo no Okuno, uma sacerdotisa do Shintoísmo, em 1603 começou a desempenhar uma nova forma de dança nos leitos secos dos rios, em Quioto. Este é portanto o polar oposto do Noh, tendo actrizes a desempenhar os papéis masculinos e femininos do quotidiano nipónico. Um dos factores que tornou esta forma teatral muito apelativa foi o facto de muitas das trupes que a desempenhavam estarem receptivas à prostituição. De facto, o kabuki tornou-se norma no red light district de Edo, capital do Japão, actualmente conhecida como Tóquio.
O teatro Bunraku, também chamado Ningyo Joruri, é a versão japonesa de uma peça de marionetas. A componente física desempenhada pelos mestres de marionetas, designados de Ningyotsukai, é acompanhada de uma componente musical, os cantadores chamados Tayu e os tocadores de Shamisen (espécie de banjo japonês). Por vezes, também juntam tambores taiko à peça. A combinação do canto acompanhado pela melodia do shamisen é chamada de joruri e ningyo quer dizer marioneta. Já o termo Bunraku surge do nome de um teatro muito conhecido no Japão por exibir esta arte.
Por último, quero ainda referir o Teatro Negro, cuja técnica pode também ser usada no Bunraku para colocar toda a atenção nas marionetas, e sobre o qual deixo um exemplo em baixo, porque é deveras difícil de explicar por palavras!
Isto foi só um lamiré, porque cada um destes estilos é um mundo, e o mesmo pode ser dito das formas ocidentais, o drama, a comédia, a sátira, etc… Um dia destes, aprofundarei, num post para cada uma, as formas japonesas aqui para o blog. Quem sabe se não inspiro algum encenador a fundir alguns dos seus elementos com os nossos estilos? Ao mesmo tempo, continuarei a veícular esta e outras iniciativas em prol da cultura e das artes.
Viva o Teatro, onde a arte não só imita a vida, como está viva, e como toda a vida merece ser protegida!


E agora para vos despachar com bom humor, tomodachi, fiquem com um teatrinho radiofónico, cortesia do Nuno Markl e da malta das manhãs da Comercial.
Sayonara... por agora!

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Otori, São Valentim e Ginkgo?


Eu estou a gostar muito d’«A Saga dos Otori» (originalmente chamada “Tales of the Otori”), criada pela escritora Lian Hearn, ao ponto de ter finalmente decidido fazer uma crítica aos 4 de 5 livros que já li da supracitada obra, sendo que desde que no Natal me foi oferendado a prequela desta história (o quinto e último livro a ser publicado) não só li a prequela como reli os volumes 1 e 2 da trilogia original e já iniciei o terceiro.
A saga passa-se no Japão Medieval dos Samurai, mas não no Japão Histórico. Antes a acção decorre num Japão alternativo e imaginário, em tudo igual ao Histórico excepto nos intervenientes e nalguma da geografia do país.
Temos portanto um país dividido em feudos, que existem em constante guerra uns com os outros perante um fraco imperador que é descrito como desprovido de poder, arrecadado algures numa capital longínqua. De facto, o Japão foi assim durante imensos anos, nos dias do Xogunato. Lidamos também com um Japão já infectado por missionários cristãos, gerando assim uma nova minoria no Japão, prontamente a ser perseguida por uma classe guerreira temerosa de pessoas que não os considera como seus superiores mas antes como seu iguais (atitude explicada no livro pelo versículo bíblico "todos somos criados iguais", parafraseio). Assim, ao longo de todos os livros desta história, vamos tendo vislumbres de tópicos ou questões que ainda hoje atormentam ou, porque não?, assombram a Humanidade: guerras de classes, perseguição religiosa, direitos das mulheres, os abusos dos poderosos, a austeridade servida às massas através de impostos cada vez maiores... parece-vos familiar?
Tudo isto surge no decorrer da constante luta de uma facção do clã Otori, liderada inicialmente por Otori Shigeru, justo herdeiro do clã, afastado do poder graças a traições e maquinações políticas, por parte dos seus tios. 
A prequela, intitulada originalmente “Heaven’s Net is Wide”, que em Portugal foi chamada “O Fio do Destino” (vá-se lá saber porquê?!?), conta-nos essencialmente como é que Shigeru perdeu o governo do seu clã, ou melhor, como não chegou a herdá-lo. Mas também nos mostra como o seu carácter foi forjado, derivado a uma educação espectacular, digna de um rei, temperada com um sentido de responsabilidade pelo e proximidade para com o seu povo. Ao contrário dos seus tios, que lhe usurpam o poder do clã, ele não vê os seus súbditos como posses, mas antes como pessoas cuja segurança deve ser mantida e a quem a justiça e a prosperidade são devidas. Ou pelo menos, a consciência que cabe ao governante o dever de fazer o seu melhor para proporcionar condições para que o povo goze desses três direitos. São também falados os seus amores e desamores, as suas frustrações e pequenas vitórias. Mas grande parte do livro é o relato da vida de um homem destinado a herdar um grande poder que se tem de adaptar a novas circunstâncias da sua vida, ocultando a sua força com uma máscara de fraqueza, enquanto muito pacientemente aguarda o momento de exercer a sua vingança e recuperar o plano que tinha em jovem para a bem-aventurança do seu povo.
E é assim que chegamos a Otori Takeo, herdeiro de Shigeru, e principal personagem da trilogia e da sequela (o 4º livro da Saga, aquele que ainda não li), e que se torna alvo de todas as esperanças de êxito de Shigeru, bem como a sua ferramenta, ou melhor dizendo arma, para atingir o seu objectivo. É de facto só na trilogia que conhecemos o destino de Shigeru e da sua amada e aliada de pleno direito, a senhora de Maruyama Naomi (um outro feudo), mas também é quando conhecemos (e tão bem quanto Shigeru ou Takeo) Kaede, a herdeira de Shirakawa (ainda um outro feudo, cujo clã governante é familiar de Maruyama) e futura amada de Takeo. É através desta personagem principalmente que vemos a perspectiva feminina de uma feminista que procura sobreviver num mundo dominado por machistas.
Estes são livros muito românticos, mas que não contêm romances propriamente cor-de-rosa. As paixões e amores desta história são sempre forçados a enfrentar tudo e todos para existirem, sendo por vezes forçados a existirem apenas em segredo. A força do desejo sexual puro, a líbido, não é colocada de parte como num filme da Disney, mas antes usada para tornar mais realista a vida destas personagens. A própria sociedade e a sua organização e costumes surge como um obstáculo, que impede os poderosos de fazerem o que lhes dá na real gana no que diz respeito ao amor. Os casamentos estão sempre a ser combinados por pessoas que não os noivos, em prole desta aliança ou daquela necessidade de aplacar uma ofensa para com um aliado em riscos de se tornar inimigo. É essencialmente o que acontece na série de tv “Jogo dos Tronos” e nos livros que a inspiram. Uma outra semelhança que “A Saga dos Otori” tem com o universo de RR Martin, é que Hearn também não tem medo de sacrificar uma personagem com quem acabou de gerar muita empatia perante o leitor. Assim, o leitor é forçado a sentir o medo das personagens quando elas arriscam algo ou quando se decidem a afrontar a sociedade que os impede de ser felizes ou de atingirem os seus objectivos.
No que diz respeito à ligação entre a trilogia original (os volumes 1, 2 e 3) e a prequela, esta está mais bem feita que a ligação entre a trilogia original da Guerra das Estrelas e a trilogia mais moderna dessa mesma saga. Os mais pequenos pormenores estão atados com uma precisão admirável e sempre muito subtilmente. De tal forma, que é até melhor começar a ler “A Saga dos Otori” pelo o último dos seus livros a ser publicado, a prequela. É que ao contrário da Guerra das Estrelas, não há nenhum momento de “Luke, I am your father”, para ser estragado.
Além das várias classes sociais do Japão Medieval e das minorias como os barakumin e os conversos cristãos (neste universo intitulados de Ocultos), o livro recebe ainda uma outra dimensão que é o mundo hermético da Tribo, um conjunto de famílias que se organizou como uma rede de espiões e assassinos ao serviço de quem lhes pagar mais, sem quaisquer lealdade excepto à própria Tribo. Essencialmente, ninjas.
A autora decidiu-se por dar um toque de espiritualidade e fantástico a uma, de resto, história muito realista. Esse toque materializa-se nalguns destes ninjas que são dotados de poderes que rivalizariam os de um Jedi e na existência de profetas e profecias entre os Ocultos, cujo único poder é a sua total convicção e entrega à causa dos ensinamentos do seu Deus.
O facto de Otori Takeo ter uma ascendência que une os Ocultos, os Samurai, e os Ninja, numa mesma pessoa, tornam-no o ponto óbvio de confluência da trama. Ele é o herdeiro adoptivo de Shigeru, o mais popular dos nobres que conseguiu sempre manter a seu lado o apoio das classes mais baixas; é também alguém cuja mãe pertencia aos ocultos, uma minoria que Shigeru e Naomi (a senhora de Maruyama) decidiram proteger, e foi então criado entre eles até quase à maioridade; e herdou de seu pai os mais altos poderes da Tribo, organização que o cobiça e exige a sua lealdade sob ameaça de morte. Em perigo constante tanto da Tribo, como dos senhores feudais, é nos seus poucos aliados nobres mas essencialmente nas classes baixas que Takeo terá de procurar a sua base de poder.
Enquanto isso, Kaede, herdeira do único feudo que permite as mulheres governarem, está ela também em risco constante, daqueles que desejam usurpar o seu dote e daqueles que ela insulta meramente por recusar pedidos de casamento.

Em suma, temos uma buffet de tópicos, tratados pela perspectiva de personagens com as quais facilmente se empatiza, todo o romantismo da Era Medieval mas num contexto em que os nobres, mesmo os mais pérfidos ou maquiavélicos, são cultos (ao contrário da nossa era medieval europeia, em que a classe governante era maioritariamente inculta e só sabia mesmo “andar à porrada”). É um rodizio que se torna coerente por uma escrita que tem tanto de bela como de fluida e simples. O facto de haver algum ateísmo no meio de tantas personagens místicas ou espirituais, também me aliciou na leitura destes livros. Na vida social, todos fingem ter algum tipo de credo, particularmente budista ou shintoísta. Contudo, algumas das personagens, quando falam com o seu círculo interno de amigos ou com “os seus botões”, dão-se à liberdade de afirmações de descrença ou cepticismo, como demonstra o diálogo escrito no scan seguinte:
Claro que é sempre um bónus para quem, como eu, vibra com os folclore e mitos medievais japoneses, esta história estar cravejada de ninjas e samurai. A única pena que tenho é que seja dado tão pouca atenção aos lutadores sumo, sendo que até agora só apareceu uma referência a uma escola de lutadores, mas sem grande profundidade ou interesse para a história central. É apenas uma episódio de passagem. Sendo que a cerimónia pouco conhecida por detrás do Sumo, no Japão Medieval, tive pena que a autora não a usasse mais. Um dia destes abordo o tema aqui.
E se bem que se o Japão Medieval aqui apresentado é imaginário em pessoas e locais, o espírito japonês está extremamente bem representado nestes livros. O valor da honra, a desonra da derrota e o ter de lhe sobreviver, o choque de culturas onde o suicídio é hábito com outras em que este é proíbido, mas também os ensinamentos da arte da guerra (não declarados mas subtilmente escritos das entrelinhas das acções dos actores da história), o ateísmo e o choque de religiões, as classes e as suas ligações, etc…
A tradutora Isabel Nunes está de parabéns. Acho que nos quatro livros, até agora, detectei apenas uma gralha. Em vez de caractér, aparece carácter. Os títulos é que estão um bocado mal traduzidos, mas não sei se foi culpa dela ou da editora. Já indiquei o título da prequela, eis os restantes:
- Livro 1: Across the Nightingale Floor (tradução literal: Através do Chão do Rouxinol) passa a “A Tribo dos Mágicos”;
- Livro 2: Grass for is Pillow (t.l.: Erva para a Almofada Dele), eu colocaria algo como “Erva como Almofada”, mas a tradução foi “O Desafio do Guerreiro” (alguém deve ter visto o Braveheart nessa semana!!);
- Livro3: Brilliance of the Moon (t.l.: Luminosidade da Lua) passou a “As Cinco Batalhas”;
- Finalmente a Sequela, que eu ainda não li: The Harsh Cry of the Heron (t.l.: O Rude Grito da Garça”) passou a “O Voo da Garça”.
Eu até concordo que alguns dos títulos portugueses são melhores que os originais, mas detesto quando o marketing se sobrepõe ao autor, como me parece ser o caso. Não esqueçamos que estes são apenas subtítulos, pois o título é “A Saga dos Otori”.
Seja como for, como o último dos livros oriunda de 2007, facilmente se encontram sem acordo ortográfico!!
Note-se, aludindo às imagens directamente abaixo e acima, que para algumas mulheres, aquelas a quem eu enquanto homem daria preferência de um ponto de vista psicológico e cultural, dão extrema importância à língua (full pun intended):
Assim sendo e como se avizinha o dia de St Valentim (mais um santo desencaminhado pelos mestres do marketing), este é também um belo presente para um(a) namorado(a) que goste de ler e até um presente que, caso quem oferece também goste de ler, pode ser algo que ambos os membros do casal possam desfrutar conjuntamente. Eu sou da opinião que tanto mais romântico é o presente do dia dos namorados quanto possa ser uma prenda que se desfrute a dois.
Por falar no dia dos namorados, eu escrevi no ano passado um post sobre isso, a afirmar o quão era um dia não de romantismo mas de comércio, e qual não é o meu espanto quando este ano revisitei esse meu post e reparei que tenho lá um único comentário e que é precisamente um link para uma oferta comercial relacionada com o Dia dos Namorados. É tão bom quando nos provam correctos! :D Se quiserem ver é só seguirem este link:




Quero ainda acrescentar mais uma prova, if you will, que faz o meu caso acerca da natureza comercial do Dia dos Namorados, ou de São Valentim se preferirem. Uma ex-colega de trabalho minha colocou, por piada, a imagem acima no facebook dela. Ela é solteira e achou por bem brincar com a cena. Embora não sirva apenas para esse dia, vários países desenvolveram de facto um nicho de mercado no aluguer de namorados ou namoradas. Acontece na China (Link aqui), no Brasil (Link aqui), com uma sucursal em Portugal trazida para cá por um alumnae do Instituto Superior Técnico, a minha alma matter, (Link aqui), e finalmente no Japão, como demonstra o vídeo abaixo.
Agora já ninguém precisa de se sentir socialmente inferior por não ter a seu lado a sua alma gémea no dia de São Valentim ou noutra ocasião social qualquer, desde que claro tenha dinheiro! Felizmente, este mundo ainda não está perdido e outra amiga "facebookiana" publicou uma outra imagem dedicada àqueles que são, não só desavergonhada mas também, orgulhosamente solteiros.
Mudando de assunto drasticamente, quando estava a ler a prequela, descobri lá um termo de origem chinesa que desconhecia: Ginkgo. Fui pesquisar e percebi que era uma árvore. Segundo a wikipédia a palavra quer dizer em chinês “damasco prateado”. Não liguei mais na altura. Uns dias depois, surge-me este artigo (Link aqui) no news feed do facebook precisamente sobre as Ginkgo. Não teria ligado ao artigo, não tivesse reconhecido o nome e teria ficado a perder gravemente com isso. É fácil então de perceber o que levou o Jung a acreditar no seu Sincronismo! A vida tem destas coisas
As Ginkgo parecem ser as mais antigas árvores existentes. No artigo acima linkado, Roger Cohn, seu autor, começa por afimar:
“Reverenciadas pela sua beleza e longevidade, as ginkgo são fósseis vivos, imutáveis durante mais de 200 milhões de anos.”
Segue-se então uma entrevista concedida à Yale Environment 360 pelo botânico Peter Crane, que diz ter escrito uma biografia destas árvores raras e estranhamente únicas, e sobre a qual eu aqui deixo um resumo.
Muitos milhares de moradores citadinos conhecerão a ginkgo por ser uma árvore de rua, com elegantes folhas em forma de leque ou abano, frutos malcheirosos, e nozes desejadas pelas suas qualidades medicinais, mas Peter Crane vê esta árvore como algo mais que isso. Para ele é uma raridade na natureza devido ao facto de ser uma espécie única de árvore sem qualquer parente vivo, um fóssil vivo nas suas palavras que privou (isto é, coexistiu) com dinossauros e que não mudou em 200 milhões de anos de existência, mas também um exemplo perfeito de como a Humanidade pode ajudar uma espécie a sobreviver.
Sendo reitor da Escola de Yale para Estudos da Floresta e do Ambiente, Crane tem vindo a escrever uma biografia desta árvore ao longo dos milénios. Ginkgo: The Tree That Time Forgot, é o título do seu novo livro que conta como esta árvore se espalhou pelo Mundo.
O botânico afirma que, como só existem 5 grupos de plantas de semente e a Ginkgo compõe um deles, é impossível que alguém que persiga um sério interesse em plantas não se cruze com ela algures nos seus estudos. Por outro lado, acrescenta, que uma vez que se veja a folha tão característica desta árvore, nunca mais se esquece. É muito estranho que a ginkgo não tenha quaisquer parentes vivos de fácil distinção. Tal não acontece com as cerca de 350000 espécies actualmente vivas. Crane procurou explicitar no seu livro que de facto já existiram várias formas de parentes da ginkgo, mas que todas essas árvores aparentadas à ginkgo se tornaram extintas e só esta última chegou aos dias de hoje. Num breve à parte, parece-me a mim que esta árvore é o equivalente vegetal do crocodilo, que também oriunda dos tempos dos dinossauros e subsiste nos dias de hoje, embora ameaçado pelo Homem.
Foi através do registo fóssil que os cientistas como Crane e também um seu colega chinês paleobotânico chamado Zhou Zhiyan, chegaram há conclusão que a ginkgo não se alterou muito em 200 milhões de anos de existência. Zhiyan terá descoberto algumas diferenças na forma como as sementes estaria agarradas à planta via os fósseis, mas não era nada de marcante. Já Peter Crane afirma que nos fósseis que ele estudou, com cerca de 65 milhões de anos, não há quaisquer diferenças. Os fósseis mais antigos das ginkgo têm pouco mais de 200 milhões de anos.

Quanto ao terrível cheiro dos seus frutos, que Crane diz ser semelhante ao do vómito, julga-se que se trata de um agente dispersivo, isto é, uma forma de atrair animais que venham comer o fruto e depois larguem as suas sementes com as fezes noutro local, dispersando as ginkgo pela Terra. Deduz-se isso porque há histórias de cães a comerem frutos desta árvore, ficando depois indispostos. O botânico deixa então a pergunta no ar, as ginkgo ainda vivem, mas será que os animais que as ajudavam a dispersar-se ainda subsistem ou já estarão extintos?
 
O que parece ser certo é que estas árvores ainda retêm a capacidade de se dispersar pela Terra, portanto ainda terão algum agente dispersor. Há relatos de castores e esquilos a comerem frutos das ginkgo, o que segundo Crane não é de admirar, pois após ter passado o mau cheiro, que é produzido pela parte externa das sementes, as sementes em si são atraentes (assemelham-se a um pistachio) e são muito nutritivas e suculentas. Estas sementes costumam cair à terra no final do Outono, no caso norte-americano, portanto em finais de Novembro, inícios de Dezembro. E a única salvação do cheiro é o facto do solo congelar, avança o botânico. Contudo, apenas as sementes das ginkgo femininas cheiram mal, pelo que hoje em dia as ginkgo masculinas é que são mais cultivadas. As lojas botânicas normalmente têm é sementes masculinas (imagem acima deste parágrafo).
A melhor estimativa de desde há quanto tempo o homem cultiva a ginkgo é desde há 1000 anos, na China. Deduz-se isso porque há registos de cultivo de outras plantas na China há mais tempo, mas a ginkgo só surge nos registos a partir de há mil anos atrás. Supõe-se também que tal se deva ao facto de a ginkgo ser uma árvore rara desde sempre. Deverá ter sido primeiro notado pelas suas bolotas e também devido a elas terá começado a ser cultivada, durante muito tempo só na China, só chegando no século XIV ou XV, pelas rotas comerciais, à Coreia e ao Japão. O primeiro ocidental a encontrar-se com uma ginkgo de que há registo, que tenha escrito sobre isso, Engelbert Kaempfer (sobre o qual vale a pena uma visita à sua página da wikipédia) que estava com a Companhia das Índias Orientais Holandesa no seu posto comercial no sul do Japão em 1692 (muito tempo depois de Portugal ter perdido o monopólio do comércio com o Japão, uma história para outro dia). Ao retornar à Europa, ao escrever sobre a sua estadia no Oriente, ele foi o primeiro a usar a palavra ginkgo e também a apresentar uma ilustração da árvore. Podemos ver abaixo um facsimile de uma das suas ilustrações. É provável, indica-nos Crane, que só umas décadas depois a árvore tenha sido introduzida na Europa, pelos 1730-50.
Quanto às suas propriedades e usos medicinais, das quais goza a reputação de auxiliar ou aumentar a memória, o botânico de Yale diz-nos que há duas vertentes, uma ocidental que se foca em extractos das folhas, e outra tradicional chinesa que se centra nas propriedades das sementes. No Ocidente e segundo Crane, têm sido feitos estudos sobre se os derivados das folhas de ginkgo realmente produzem algum efeito positivo medicinal, mas até agora os resultados têm sido algo que ambíguos, nem provando nem negando tais propriedades.
Quanto à ginkgo em si, Crane não sabe exactamente o que a torna tão resistente. O que lhe parece verdade é que as pestes que atingem outras árvores parecem desgostar das folhas da ginkgo que e embora as suas raízes não recebam muito oxigénio nas ruas de cidades, mas sim muito sal e sabe-se lá mais o quê, estas árvores parecem aguentar-se bem perante tais privações e ataques químicos. Tal faz com que seja uma planta muito usada, por todo o lado, como árvore de rua. Encontra-se por toda a Tóquio, por toda a Seoul e por toda a Manhattan, para dar alguns exemplos. Mas note-se que também em Lisboa temos árvores ginkgo, como exemplificado neste link! O livro de Crane também aprofunda a temática das árvores num contexto urbanístico, alegando por exemplo o efeito psicológico que surge de ter árvores de ambos os lados da estrada, criando a ilusão da estrada ser mais estreita e levando os condutores a andar mais devagar, ou a mera produção de sombra que diminui o calor na cidade, podendo prolongar a passagem, doutra forma rápida, das pessoas por uma zona de comércio, ajudando à actividade económica por exemplo. Mas também fala noutros efeitos menos utilitários, como simplesmente tornar mais agradáveis os passeios citadinos, permitindo aos cidadãos, especialmente aos mais novos, todos os efeitos positivos de andar na rua potenciados por uma vasta sombra nos dias solarengos de Verão. No livro, Crane conta uma história de uma moradora do Harlem que tem uma ginkgo à frente da sua casa e que encontra sempre pessoas em redor da árvore independentemente do cheiro. Crane explica que tal é natural de pessoas cujo passado cultural seja familiar com as ginkgo. É comum, diz ele, pessoas da Coreia, da China ou do Japão procurarem uma ginkgo no Outono e apanharem as suas sementes, na maioria das vezes para consumo próprio e não para venda. Muitas vezes nem esperam que as sementes caíam da árvore e antes promovem a sua queda com o auxílio de uma vara.
Contudo, para uma pequena proporção da população em geral, as bolotas e sementes da ginkgo são tóxicas, não sendo então aconselhável comer muitas destas sementes. Ainda que concedendo isso, Crane afirma que o número de pessoas a que isso acontece é mesmo muito pequeno e que ele já comeu sementes de ginkgo em diversas ocasiões sem lhe causarem mal algum.


Peter Crane afirma ainda no seu livro, que o cultivo mesmo fora do habitat natural das ginkgo, embora a manutenção da existência da espécie neste último também seja importante, é uma óptima ferramenta para garantir a sobrevivência desta planta rara e tão única. O botânico confessa que esta árvore, devido à sua intemporalidade face à espécie humana, o ajudou a pensar para além do “aqui e agora”. Ele acrescenta também que a ginkgo é para ele um equivalente temporal aos esboços espaciais da Via Láctea com uma seta a apontar para um pontinho que diz “Estás aqui”, recordando-nos de quão pequenos somos, quão curta é a nossa passagem pelo Universo do qual não somos o centro e no qual existem coisas bem mais antigas que nós. Um pensamento fácil para um ateu, mas extremamente confuso para um crente dos monoteísmos, acrescento eu.
Devido a um trabalho que o reitor fez sobre um fóssil de Ginkgo, um colega seu teve a gentileza de dar o seu nome a uma espécie de ginkgo: Ginkgo Cranei. Crane contudo permanece céptico de que isso dure, inseguro de que as diferenças subtis que o estudo revelou sobre a espécie fossilizada na verdade venham a ser inexistentes, denotando-se que realmente só existe uma espécie de ginkgo e que o nome do fóssil reverta para o simples Ginkgo Biloba. No fim das contas, quem não gostava de ter um bocadinho que fosse de imortalidade, mesmo que apenas (ou especialmente por isso mesmo!!) simbólica?
Na página da wikipédia portuguesa sobre a Ginkgo, é também indicado que a planta só começou a suscitar verdadeira curiosidade no Ocidente depois de ter sido constatado que esta árvore sobreviveu à radiação da bomba nuclear de Hiroshima. Além disso, aprofunda no uso farmacêutico dado aos derivados desta planta. A página em inglês da mesma enciclopédia virtual detém ainda mais informação, para quem esteja interessado em pesquisar mais.
Despeço-me por agora, deixando-vos com uma memória de tempos idos, dum costume brasileiro intitulado de "cartão de paquera", mas a que eu chamaria "o amor espressado em forma burocrática". Bons romances!