segunda-feira, 29 de março de 2010

"Aqueles que servem" - Parte I

Das brumas da História surge-nos o Samurai, que literalmente significa "aquele que serve".





O primeiro registo histórico dos samurais aparece no século X. No seu início, não passavam de guarda-costas, treinados e equipados por senhores ricos, a quem deviam a sua lealdade. Eram mercenários, recrutados de entre as classes nobres de baixa categoria, nas fileiras das quais não faltavam jovens saudáveis e bem alimentados e cheios de ambição.








O próprio imperador fez-se rodear de tais guardas imperiais, quando a Corte fracassou em recrutar um exército de entre as massas dos camponeses e pequenos proprietários de terra. E os nobres seguiram-lhe o exemplo. Contudo, o próprio imperador do país do Sol nascente, foi eclipsado pelo crescente poder e multiplicação de clãs de samurais. Não demorou muito tempo até dois clãs surgirem com mais poder que os restantes, que se aliavam a um ou outro lado. A guerra civil acabou por se dar, com o Imperador já impotente para a impedir. Nessa guerra civil foi forjada a realidade do Japão Medieval, quando os samurais subiram definitivamente ao poder, chefiados pela figura que então surgiu, o Xogum.


Foi em 1185 que Yorimoto, líder do clã Minamoto, vencedor da guerra civil supra-mencionada, consolidou o seu poder e fez da aldeia piscatória de Kamakura a nova capital do Japão, tornando-se no primeiro Xogum (pintura retrato à direita). Muitos historiadores assumem que foi deveras a partir desse momento que a Era do Samurai começou.








O Xogum era o chefe militar supremo e governou o Japão enquanto ditador, embora o seu poder estivesse constantemente a ser minado pelas guerras, intrigas e quezílias entre os restantes clãs de samurai. Foi durante o Xogunato que a classe guerreira, que englobava apenas 6% de toda a população japonesa da época, se tornou dominante, prosperando num sistema feudal. Os samurais davam a sua lealdade a um lorde ou senhor, ao qual protegiam e auxiliavam a aumentar o seu poder e território. Os samurais eram, em retorno, recompensados com mais honras, riquezas e poder para si mesmos.



Quando as guerras dos clãs eclodiram, os samurais não encaravam os seus oponentes como inimigos malignos e odiados, mas sim como adversários respeitados. Havia entre eles um código, muito sui generis, próximo do cavalheirismo romanesco. Assim, para encontrarem um adversário à altura, os samurais cavalgavam até à linha da frente, declaravam a sua linhagem e os feitos da mesma. Terminada a bravata, os arqueiros disparavam e depois o cavaleiro carregava sobre as linhas inimigas.


Quando o samurai encontrava a vergonha e desonra da derrota (e a esta sobrevivia), procedia ao ritual do seppuku, no qual se esventrava a si mesmo. Para um samurai a desonra é muito pior que a morte. Por ser um ritual deveras doloroso, os samurais começaram a permitir que no seppuku, embora o guerreiro tivesse de se auto-esventrar, podia ter o auxílio de um outro samurai, que lhe cortaria a cabeça após a auto-mutilação, poupando-o ao agonizante sofrimento.
















Uma das maneiras que os samurais tinham para crescer em glória e favor junto do seu senhor, era oferendar a este último as cabeças dos inimigos dele. A recompensa por tal prenda podia ser na forma de uma promoção a um posto hierárquico mais alto, uma maquia em ouro ou prata, ou mesmo as terras e fortaleza dos inimigos conquistados.



Originalmente, a arma predilecta do samurai era o arco. Mas a ferocidade, glória e pura adrenalina do combato corpo a corpo, do duelo mano a mano, elevou a espada ao pedestal de instrumento de morte preferido. Este novo encontrado favoritismo pela espada surgiu em paralelo com a subida ao poder de um novo Xogunato, sob o governo do clã Ashikaga. Existem então vários tipos de espadas de samurai, sendo as mais usadas a katana, a wakizashi e as kodashi. A Katana é uma espada longa, com 60 cm ou mais de lâmina, enquanto as Wakizashi (quer dizer "inserção lateral") eram espadas mais curtas que as Kodachi [(Ko = pequena, tachi = espada), que eram por sua vez mais pequenas que a Katana, nunca passando dos 59 cm], mais conceptualizadas para o uso dentro de casa. A maior diferença entre as kodachi e as wakizashi é a filosofia da sua concepção. As kodachi são feitas para usar independentemente de outras armas, enquanto que as wakizashi são feitas de forma a se adaptarem ao peso do seu utilizador e para complementarem o uso da katana. Contudo, por ser mais longa que uma wakizashi e menor que uma katana, a kodachi é tido como mais rápida que uma katana, embora propocione ataques mais fracos, sendo apelidada de "espada escudo". As kodachi por serem menores que as katanas, podiam ser usadas por comerciantes, no período Edo. Ao conjunto da Katana e Wakizashi, chama-se Daishô. Muitos peritos actuais dizem que a espada de samurai é a espada perfeita. Os artesãos que fabricam estas lâminas espectaculares, que praticamente toda a gente do mundo ocidental reconhece de vista, são denominados em japonês de Katanakaji, que quer dizer "fabricante de espadas longas".
Na figura abaixo pode ver-se um conjunto que mostra os três tipos de espada.



As batalhas deixaram de se travar apenas em campos abertos, para se batalharem cada vez mais em regiões montanhosas onde os grandes senhores erguiam as suas fortalezas. À medida que os exércitos dos samurais cresciam em número, o cavalheirismo no campo de batalha e toda a bravata inicial foi progressivamente esmorecendo até desaparecer, ao mesmo tempo que o número de guerreiros apeados superava o de cavaleiros.



Mas o samurai era mais que um guerreiro. Os daimyo(ou "grandes nomes") recebiam nas suas fortalezas pensadores e filósofos, actores e pintores, enfim artistas e intelectuais de todos os géneros. Praticavam afincadamente a caligrafia o tocar do alaúde e faziam arranjos florais. Escreveram muitos poemas dedicados à exaltação e observação das flores de cerejeira, em cuja vida curta se reviam. Como a flor da cerejeira abandona a árvore no apogeu da sua beleza, assim também o samurai sonhava com uma morte gloriosa no campo de batalha, na plenitude das suas forças, enfrentando hipóteses esmagadoramente negativas. Os samurais dedicavam-se ainda a dominar a arte da cerimónia do chá. Foram monges budistas zen que transmitiram aos senhores Ashikaga rituais a seguir para tomar o chá. O clã do Xogum começou então a usar esses rituais de forma generalizada. O oitavo Xogum Ashikaga criou um ritual para tomar chá mais simples e espiritual. Era tomado numa pequena divisão onde cabia apenas um punhado de pessoas. Talvez tenha sido o ambiente de reflexão e tranquilidade que a confecção e beberagem do chá num ambiente pequeno, onde as espadas eram proíbidas, que tenha cativado os samurais. Era uma cerimónia espiritual que os samurais adoptaram para se libertar das tensões acumuladas das suas vidas intensas. Serviam-se desse ritual para relaxar, meditar e aproveitar o momento presente.


Foi também durante o governo do clã Ashikaga, entre o início do século XIV ao final do século XVI, que as guerras entre os clãs atingiram o seu apogeu, movidas pela ganância e pelo desejo e ambição de governar o Japão. Mas nessa altura deixou de haver um modelo de governo central, enquanto cerca de vinte clãs se digladiavam pelo controlo do reino, durante um período de 100 anos a que os japoneses chamam Sengoku Jidai, ou Era do País em Guerra. Nesta época, o teatro de operações marciais alterou-se significativamente. Os exércitos começaram a comportar milhares de samurais, muitas vezes reforçados por fileiras de ashigaru(pés descalços) armados de arcabuzes e recrutadas à força de entre os camponeses. Estas armas de fogo foram introduzidas no Japão por mercadores portugueses (mea culpa;) e em 30 anos os japoneses tinham os exércitos com maior número de armas de fogo no mundo. A imagem à direita ilustra esse facto histórico. Durante estas guerras de inter-clãs, sempre que morria um grande senhor, os seus samurais conheciam a vergonha, perdiam o grau de samurai e a honra. A partir daí tinham duas escolhas: fazer seppuku ou enfrentar a vergonha tornando-se num ronin (homens das ondas), basicamente samurais sem senhor. Alguns ronin chegaram mesmo a percorrer as ruas de cara ocultada por máscaras e tocando flauta, pedindo esmolas de porta em porta. Contudo, 47 ronin ficaram para sempre imortalizados na história do Japão quando conseguiram penetrar na fortaleza do senhor rival que ordenara a morte do seu daimyo, vingaram essa morte e depois recorreram ao seppuku, recuperando a sua honra. Até tiveram direito a ser imortalizados pela sétima arte: http://www.imdb.com/title/tt0055850/



Em 1616, com o início da dinastia de Xoguns Tokugawa, a guerra civil terminou. O governo de Tokugawa, sediado na cidade de Edo, implementou uma estrutura social estratificada em quatro classes, sendo a dos samurais a mais alta na hierárquia. O comportamento das pessoas dessa época ficou assim determinado pela classe à qual pertenciam. Foi através desta engenharia social que os Tokugawa mantiveram a paz.



A classe mais alta a seguir à dos samurais era a dos camponeses, que basicamente compravam a sua importância com 60 % das suas colheitas, impostos que pagavam aos senhores feudais. De seguida, estavam os artesãos, que faziam as roupas, as armas e o sake que os samurais usavam e consumiam, respectivamente. Na classe mais baixa, e menosprezada pelos samurais, surgiam os comerciantes.


Nesta altura de paz, os samurais pouco tinham que fazer. Recebiam uma pensão anual em arroz, medida em koku( http://pt.wikipedia.org/wiki/Koku ), que era o seu pagamento para levarem uma vida honesta, manterem-se saudáveis e aptos de corpo e mente, as suas lâminas afiadas prontas a saltarem em defesa do Xogum se tal fosse necessário. O que se esperava dessa vida dita honesta era que se mantivessem afastados de formas de entretenimento geradas por mercadores e como tal tidas como decadentes: entre estas encontravam-se as danças de gueixas e as peças de teatro kabuki. Mas o que é certo é que durante a paz, os samurais de mais baixa categoria começaram a frequentar bordéis e as casas de chá de Quioto e Edo, o que foi visto pelos intelectuais da época como um comportamento decadente tanto do ponto de vista económico como do moral.


Embora fosse fácil manter as espadas afiadas, durante a paz as capacidades físicas e psicológicas definhavam e, alarmados com a possibilidade dos samurais se tornarem fracos, alguns mestres conceberam códigos de comportamento e ética que ao serem seguidos manteriam os samurais tão afiados como as suas armas. No período Edo, o ensino das artes marciais foi difundido através do bushido (a via do guerreiro), tradição que ainda hoje impregna a sociedade japonesa. Em 1716, um samurai de clã Saga, de seu nome Yamamoto Tsunemoto, publicou o Hagakure, que renovava o bushido e realçava a mentalidade marcial que definhava na paz da era Tokugawa. Disse então esse samurai que "Se formos confrontados com as duas alternativas, viver ou morrer, devemos escolher a morte sem vacilar."

Mas mesmo com estas tentativas de revitalização, o crepúsculo dos samurais aproximava-se inevitavelmente e chegou, como o mais inesperado dos ataques, de surpresa. À medida que o custo de vida aumentou no Japão, os samurais foram ultrapassados em riqueza e poder pela classe que mais desprezavam, a dos comerciantes. O seu desprezo ancestral para com esta classe social parece quase profético. Subitamente, a sua pensão anual de arroz, na maioria das vezes convertida em dinheiro, foi desvalorizando regularmente. as famílias de daimyo ficaram falidas, pois os ganhos da venda de arroz não se comparavam já aos lucros duma loja de quimonos. Assim, os samurais foram forçados a tornar-se instrutores de artes marciais, polícias e contabilistas, mesmo artesãos (faziam guarda-chuvas, gaiolas ou mobílias) para terem os suplementos monetários que necessitavam.



Mas o golpe final aos samurais veio por uma conjugação de acções externas em combinação com uma mudança de rumo e de poder e reestruturação social no Japão. Quando os navios negros (em japonês Kurofune) do comodoro americano Matthew Perry chegaram ao Japão, ficou clara a inabilidade do Xogum de defender o Japão duma invasão estrangeira. Essa revelação foi reiterada pela rápida adesão a pactos com os estrangeiros por parte do ditador militar japonês. Um conjunto de samurais descontentes e ainda poderosos, juntamente com anti-estrangeiros e inimigos dos Tokugawa, uniram-se sob o estandarte do há muito hibernado imperador. Esta força revoltosa foi apoiada por mercadores influentes e camponeses descontentes com a inactividade do regime vigente de então. No final da década de 1860, estas forças unidas removeram o Xogum do poder, restituindo o comando do Japão ao Imperador, de seu nome Meiji, que formou um governo constituido por muitos samurais de educação superior.
A imagem abaixo ilustra a chegada dos navios negros ao Japão:


Mas a verdade é que o Imperador saiu melhor que a encomenda aos samurais que o apoiaram neste derradeiro golpe de estado, pois ao invés de restabelecer um regime conservador devolvendo o esplendor e poder aos samurais, este aboliu o sistema de classes, dissolveu os sistemas feudais e proíbiu o uso de espada por parte de samurais. Os samurais que apoiaram o Imperador acharam-se traídos e houve inúmeras revoltas, mas os modernamente equipados exércitos do governo Meiji conseguiram abafar todas estas derradeiras tentativas dos samurais para retomar o seu estatuto perdido. Na última batalha, samurais envergando as tradicionais armaduras e armados de arcos e espada, liderados por Saigo Takamori, carregaram sobre o exército imperial, acabando por perecer sob o poder de fogo de metralhadoras.


Assim terminou a Era do Samurai, mas o misticismo da sua via nunca deixou de influenciar os costumes da sociedade japonesa e o imaginário do mundo inteiro até mesmo no século XXI.




A minha interpretação do código do Samurai - Capítulo I




Neste capítulo, falarei no que diz respeito ao que o código do samurai exige da educação e formação de um samurai.


O código diz que uma vez que o samurai pertence à classe superior a cujo encargo está a administração, então o samurai deve ter uma boa educação e um alargado saber sobre tudo o que o rodeia. Mas, nos tempos da guerra civil, os samurais iam para o campo de batalha com a idade de 15 ou 16 anos, sendo que forçosamente começavam a exercitar a sua perícia militar pelos 12 ou 13 anos. Assim, faltando-lhes o tempo para praticarem a caligrafia ou lerem livros, os samurais dessa época dedicavam-se por inteiro ao estudo da guerra e à via do guerreiro, pondo de parte a educação cultural, sendo na sua maioria analfabetos. O código diz que tal é compreensível pois não se devia nem à falta de empenho dos pais na educação das novas gerações nem na falta de inclinação para os estudos, mas sim devido à necessidade de então.


Contudo, a partir do momento em que há paz, os conhecimentos marciais não precisam de preceder aos restantes saberes, nem precisam de ser fomentados desde tão tenra idade, pelo que é esperado que a partir dos 7 ou 8 anos os samurais comecem a ler. O código do samurai manda ler os Quatro Livros, os Cinco Clássicos e os Sete Textos (essencialmente tratados de filosofia budista e confucionista). Contudo, e mais uma vez trazendo este código aos dias de hoje, é uma boa ideia que as crianças comecem a ler cedo, mesmo que leiam livros de banda-desenhada. Eu li bd até aos dezasseis anos e só quando descobri a ficção científica mais pesada é que deixei os meus Astérix, Mickeys, Tio Patinhas, X-Men e Batman, entre outros para começar a ler Tolkien, Ray Bradbury, Salman Rushdie, A E Van Vogt, Filipe Faria, Humberto Eco, etc... Toda e qualquer leitura que nos ensine algo, que nos permita viajar por fantasias ou realidades que não a nossa e que por meio dessa viagem estimulem a nossa imaginção e creatividade, a nossa capacidade de sonhar e mesmo de pensar estrategicamente, que nos ensine novos pontos de vista, torna-nos (como diriam os Jedi de Lucas) parte de "um mundo muito maior". A fim de uma pessoa ser um cidadão em toda a plenitude da palavra é preciso estar inteirado do maior número de pontos de vista diferentes afim de poder então formar o seu próprio ponto de vista e poder ajudar construtivamente a sociedade na qual está inserido. A cultura é maior arma de todos os tempos, "saber..." será sempre "... poder." Para podermos votar em consciência, não nos podemos deixar levar pela conversa deste ou daquele político, deste ou daquele comentador, deste ou daquele telejornal, devemos procurar toda a informação disponível, ouvi-los a todos e depois pensar estrategicamente e para tal temos de aprender a pensar por nós próprios. Não há nada que este mundo precise mais que pensadores independentes e livres e esses são criados na forja da cultura, através da leitura e da busca pelo saber. Na altura dos samurais, estes precisavam de ter cultura pois eram governantes... hoje em dia, todos somos governantes... esse é o significado da democracia, o poder está no povo. Mas como qualquer poder, se o povo não tem a maturidade ou a cultura suficiente para tomar as suas próprias decisões sozinho, então haverá sempre os que controlarão a multidão com "panus et circus" como diria um romano.


É dito também que não se pode culpar as crianças pela falta de cultura ou de amor a esta. A responsabilidade de suscitar esse interesse pela cultura reside nos pais. Há um samurai em cada um de nós, enquanto cidadãos todos temos o dever, assim como o direito, de escolhermos o rumo do nosso país. Até mesmo o poder de melhorar aquele pedacinho do mundo em que vivemos. Mas para tal, é preciso cultura e erradicar a ignorância ou as falsas sabedorias. Pensem, leiam, aprendam, questionem, ensinem as vossas mentes a funcionar de forma independente do que o que a maioria diz. Quando todos o fizermos e tivermos uma sociedade de pessoas que pensam de forma livre e independente, por si mesmas, ao invés duma multidão apática então... teremos um país de samurais onde não serviremos senhores feudais (ou os políticos que a nossa apatia colectiva engorda), apenas nos serviremos uns aos outros, enquanto iguais em direitos e deveres.