Eu estou a gostar muito d’«A Saga
dos Otori» (originalmente chamada “Tales of the Otori”), criada pela escritora
Lian Hearn, ao ponto de ter finalmente decidido fazer uma crítica aos 4 de 5
livros que já li da supracitada obra, sendo que desde que no Natal me foi oferendado
a prequela desta história (o quinto e último livro a ser publicado) não só li a
prequela como reli os volumes 1 e 2 da trilogia original e já iniciei o
terceiro.
A saga passa-se no Japão Medieval
dos Samurai, mas não no Japão Histórico. Antes a acção decorre num Japão
alternativo e imaginário, em tudo igual ao Histórico excepto nos intervenientes
e nalguma da geografia do país.
Temos portanto um país dividido em feudos, que
existem em constante guerra uns com os outros perante um fraco imperador que é descrito como
desprovido de poder, arrecadado algures numa capital longínqua. De facto, o Japão foi assim
durante imensos anos, nos dias do Xogunato. Lidamos também com um Japão já infectado por missionários
cristãos, gerando assim uma nova minoria no Japão, prontamente a ser perseguida
por uma classe guerreira temerosa de pessoas que não os considera como seus
superiores mas antes como seu iguais (atitude explicada no livro pelo versículo bíblico "todos somos criados iguais", parafraseio). Assim, ao longo de todos os livros desta
história, vamos tendo vislumbres de tópicos ou questões que ainda hoje atormentam ou,
porque não?, assombram a Humanidade: guerras de classes, perseguição religiosa,
direitos das mulheres, os abusos dos poderosos, a austeridade servida às massas
através de impostos cada vez maiores... parece-vos familiar?
Tudo isto surge no decorrer da
constante luta de uma facção do clã Otori, liderada inicialmente por Otori
Shigeru, justo herdeiro do clã, afastado do poder graças a traições e
maquinações políticas, por parte dos seus tios.
A prequela, intitulada originalmente “Heaven’s Net is Wide”, que em
Portugal foi chamada “O Fio do Destino” (vá-se lá saber porquê?!?), conta-nos
essencialmente como é que Shigeru perdeu o governo do seu clã, ou melhor, como
não chegou a herdá-lo. Mas também nos mostra como o seu carácter foi forjado,
derivado a uma educação espectacular, digna de um rei, temperada com um sentido
de responsabilidade pelo e proximidade para com o seu povo. Ao contrário dos
seus tios, que lhe usurpam o poder do clã, ele não vê os seus súbditos como
posses, mas antes como pessoas cuja segurança deve ser mantida e a quem a justiça
e a prosperidade são devidas. Ou pelo menos, a consciência que cabe ao governante
o dever de fazer o seu melhor para proporcionar condições para que o povo goze
desses três direitos. São também falados os seus amores e desamores, as suas
frustrações e pequenas vitórias. Mas grande parte do livro é o relato da vida de um
homem destinado a herdar um grande poder que se tem de adaptar a novas circunstâncias da sua vida, ocultando a sua força com uma máscara de fraqueza, enquanto muito pacientemente aguarda o momento
de exercer a sua vingança e recuperar o plano que tinha em jovem para a
bem-aventurança do seu povo.
E é assim que chegamos a Otori
Takeo, herdeiro de Shigeru, e principal personagem da trilogia e da sequela (o
4º livro da Saga, aquele que ainda não li), e que se torna alvo de todas as
esperanças de êxito de Shigeru, bem como a sua ferramenta, ou melhor dizendo arma, para atingir o seu
objectivo. É de facto só na trilogia que conhecemos o destino de Shigeru e da
sua amada e aliada de pleno direito, a senhora de Maruyama Naomi (um outro feudo),
mas também é quando conhecemos (e tão bem quanto Shigeru ou Takeo) Kaede, a
herdeira de Shirakawa (ainda um outro feudo, cujo clã governante é familiar de
Maruyama) e futura amada de Takeo. É através desta personagem principalmente que vemos a perspectiva feminina de uma feminista que procura sobreviver num mundo dominado por machistas.
Estes são livros muito românticos,
mas que não contêm romances propriamente cor-de-rosa. As paixões e amores desta história são
sempre forçados a enfrentar tudo e todos para existirem, sendo por vezes
forçados a existirem apenas em segredo. A força do desejo sexual puro, a líbido, não é colocada de parte como num filme da Disney, mas antes usada para tornar mais realista a vida destas personagens. A própria sociedade e a sua organização
e costumes surge como um obstáculo, que impede os poderosos de fazerem o que lhes dá na real gana no que
diz respeito ao amor. Os casamentos estão sempre a ser combinados por pessoas
que não os noivos, em prole desta aliança ou daquela necessidade de aplacar uma
ofensa para com um aliado em riscos de se tornar inimigo. É essencialmente o
que acontece na série de tv “Jogo dos Tronos” e nos livros que a inspiram. Uma
outra semelhança que “A Saga dos Otori” tem com o universo de RR Martin, é que
Hearn também não tem medo de sacrificar uma personagem com quem acabou de gerar
muita empatia perante o leitor. Assim, o leitor é forçado a sentir o medo das
personagens quando elas arriscam algo ou quando se decidem a afrontar a
sociedade que os impede de ser felizes ou de atingirem os seus objectivos.
No que diz respeito à ligação entre a trilogia
original (os volumes 1, 2 e 3) e a prequela, esta está mais bem feita que a ligação entre a
trilogia original da Guerra das Estrelas e a trilogia mais moderna dessa mesma
saga. Os mais pequenos pormenores estão atados com uma precisão admirável e
sempre muito subtilmente. De tal forma, que é até melhor começar a ler “A Saga
dos Otori” pelo o último dos seus livros a ser publicado, a prequela. É que ao
contrário da Guerra das Estrelas, não há nenhum momento de “Luke, I am your
father”, para ser estragado.
Além das várias classes sociais
do Japão Medieval e das minorias como os barakumin e os conversos cristãos
(neste universo intitulados de Ocultos), o livro recebe ainda uma outra
dimensão que é o mundo hermético da Tribo, um conjunto de famílias que se
organizou como uma rede de espiões e assassinos ao serviço de quem lhes pagar mais, sem quaisquer lealdade excepto à própria Tribo.
Essencialmente, ninjas.
A autora decidiu-se por dar
um toque de espiritualidade e fantástico a uma, de resto, história muito
realista. Esse toque materializa-se nalguns destes ninjas que são dotados de
poderes que rivalizariam os de um Jedi e na existência de profetas e profecias
entre os Ocultos, cujo único poder é a sua total convicção e entrega à causa
dos ensinamentos do seu Deus.
O facto de Otori Takeo ter uma
ascendência que une os Ocultos, os Samurai, e os Ninja, numa mesma pessoa,
tornam-no o ponto óbvio de confluência da trama. Ele é o herdeiro adoptivo de
Shigeru, o mais popular dos nobres que conseguiu sempre manter a seu lado o
apoio das classes mais baixas; é também alguém cuja mãe pertencia aos ocultos,
uma minoria que Shigeru e Naomi (a senhora de Maruyama) decidiram proteger, e
foi então criado entre eles até quase à maioridade; e herdou de seu pai os mais
altos poderes da Tribo, organização que o cobiça e exige a sua lealdade sob ameaça de
morte. Em perigo constante tanto da Tribo, como dos senhores feudais, é nos
seus poucos aliados nobres mas essencialmente nas classes baixas que Takeo terá
de procurar a sua base de poder.
Enquanto isso, Kaede, herdeira do
único feudo que permite as mulheres governarem, está ela também em risco
constante, daqueles que desejam usurpar o seu dote e daqueles que ela insulta
meramente por recusar pedidos de casamento.
Em suma, temos uma buffet de tópicos, tratados pela
perspectiva de personagens com as quais facilmente se empatiza, todo o
romantismo da Era Medieval mas num contexto em que os nobres, mesmo os mais
pérfidos ou maquiavélicos, são cultos (ao contrário da nossa era medieval europeia, em
que a classe governante era maioritariamente inculta e só sabia mesmo “andar à
porrada”). É um rodizio que se torna coerente por uma escrita que tem tanto de bela como
de fluida e simples. O facto de haver algum ateísmo no meio de tantas personagens místicas ou espirituais,
também me aliciou na leitura destes livros. Na vida social, todos fingem ter
algum tipo de credo, particularmente budista ou shintoísta. Contudo, algumas
das personagens, quando falam com o seu círculo interno de amigos ou com “os seus
botões”, dão-se à liberdade de afirmações de descrença ou cepticismo, como
demonstra o diálogo escrito no scan seguinte:
Claro que é sempre um bónus para quem, como eu,
vibra com os folclore e mitos medievais japoneses, esta história estar cravejada
de ninjas e samurai. A única pena que tenho é que seja dado tão pouca atenção
aos lutadores sumo, sendo que até agora só apareceu uma referência a uma escola
de lutadores, mas sem grande profundidade ou interesse para a história central.
É apenas uma episódio de passagem. Sendo que a cerimónia pouco conhecida por
detrás do Sumo, no Japão Medieval, tive pena que a autora não a usasse mais. Um dia destes abordo o tema aqui.
E se bem que se o Japão Medieval aqui apresentado é
imaginário em pessoas e locais, o espírito japonês está extremamente bem
representado nestes livros. O valor da honra, a desonra da derrota e o ter de
lhe sobreviver, o choque de culturas onde o suicídio é hábito com outras em que este é proíbido, mas também os ensinamentos da arte da guerra (não declarados
mas subtilmente escritos das entrelinhas das acções dos actores da história), o ateísmo e o
choque de religiões, as classes e as suas ligações, etc…
A tradutora Isabel Nunes está de
parabéns. Acho que nos quatro livros, até agora, detectei apenas uma gralha. Em
vez de caractér, aparece carácter. Os títulos é que estão um bocado mal
traduzidos, mas não sei se foi culpa dela ou da editora. Já indiquei o título
da prequela, eis os restantes:
- Livro 1: Across the Nightingale
Floor (tradução literal: Através do Chão do Rouxinol) passa a “A Tribo dos
Mágicos”;
- Livro 2: Grass for is Pillow
(t.l.: Erva para a Almofada Dele), eu colocaria algo como “Erva como Almofada”,
mas a tradução foi “O Desafio do Guerreiro” (alguém deve ter visto o Braveheart
nessa semana!!);
- Livro3: Brilliance of the
Moon (t.l.: Luminosidade da Lua) passou a “As Cinco Batalhas”;
- Finalmente a Sequela, que eu ainda não li: The Harsh Cry of the
Heron (t.l.: O Rude Grito da Garça”) passou a “O Voo da Garça”.
Eu até concordo que alguns dos
títulos portugueses são melhores que os originais, mas detesto quando o
marketing se sobrepõe ao autor, como me parece ser o caso. Não esqueçamos que
estes são apenas subtítulos, pois o título é “A Saga dos Otori”.
Seja como for, como o último dos
livros oriunda de 2007, facilmente se encontram sem acordo ortográfico!!
Note-se, aludindo às imagens directamente abaixo e acima, que para algumas mulheres, aquelas a quem eu enquanto homem daria preferência de um ponto de vista psicológico e cultural, dão extrema importância à língua (full pun intended):Assim sendo e como se avizinha o dia de St Valentim (mais um santo desencaminhado pelos mestres do marketing), este é também um belo presente para um(a) namorado(a) que goste de ler e até um presente que, caso quem oferece também goste de ler, pode ser algo que ambos os membros do casal possam desfrutar conjuntamente. Eu sou da opinião que tanto mais romântico é o presente do dia dos namorados quanto possa ser uma prenda que se desfrute a dois.
Por falar no dia dos namorados,
eu escrevi no ano passado um post sobre isso, a afirmar o quão era um dia não
de romantismo mas de comércio, e qual não é o meu espanto quando este ano
revisitei esse meu post e reparei que tenho lá um único comentário e que é
precisamente um link para uma oferta comercial relacionada com o Dia dos
Namorados. É tão bom quando nos provam correctos! :D Se quiserem ver é só
seguirem este link:
Agora já
ninguém precisa de se sentir socialmente inferior por não ter a seu lado a sua
alma gémea no dia de São Valentim ou noutra ocasião social qualquer, desde que
claro tenha dinheiro! Felizmente, este mundo ainda não está perdido e outra amiga "facebookiana" publicou uma outra imagem dedicada àqueles que são, não só desavergonhada mas também, orgulhosamente solteiros.
Mudando de assunto drasticamente, quando estava a ler a
prequela, descobri lá um termo de origem chinesa que desconhecia: Ginkgo. Fui pesquisar e percebi que era uma árvore. Segundo a wikipédia a palavra quer dizer em
chinês “damasco prateado”. Não liguei mais na altura. Uns dias depois, surge-me
este artigo (Link aqui) no news feed do facebook precisamente sobre as Ginkgo. Não teria
ligado ao artigo, não tivesse reconhecido o nome e teria ficado a perder gravemente com isso. É fácil então de perceber o que levou
o Jung a acreditar no seu Sincronismo! A vida tem destas coisas
As Ginkgo parecem ser as mais
antigas árvores existentes. No artigo acima linkado, Roger Cohn, seu autor,
começa por afimar:
“Reverenciadas pela sua beleza e longevidade,
as ginkgo são fósseis vivos, imutáveis durante mais de 200 milhões de anos.”
Segue-se então uma entrevista
concedida à Yale Environment 360 pelo botânico Peter Crane, que diz ter escrito
uma biografia destas árvores raras e estranhamente únicas, e sobre a qual eu aqui deixo um resumo.
Muitos milhares de moradores
citadinos conhecerão a ginkgo por ser uma árvore de rua, com elegantes folhas
em forma de leque ou abano, frutos malcheirosos, e nozes desejadas pelas suas
qualidades medicinais, mas Peter Crane vê esta árvore como algo mais que isso.
Para ele é uma raridade na natureza devido ao facto de ser uma espécie única de
árvore sem qualquer parente vivo, um fóssil vivo nas suas palavras que privou (isto é, coexistiu) com dinossauros e
que não mudou em 200 milhões de anos de existência, mas também um exemplo perfeito de como a
Humanidade pode ajudar uma espécie a sobreviver.
Sendo reitor da Escola de Yale
para Estudos da Floresta e do Ambiente, Crane tem vindo a escrever uma
biografia desta árvore ao longo dos milénios. Ginkgo: The Tree That Time Forgot, é o título do
seu novo livro que conta como esta árvore se espalhou pelo Mundo.
O botânico afirma que, como só existem 5 grupos de plantas de semente e
a Ginkgo compõe um deles, é impossível que alguém que persiga um sério
interesse em plantas não se cruze com ela algures nos seus estudos. Por outro
lado, acrescenta, que uma vez que se veja a folha tão característica desta árvore, nunca
mais se esquece. É muito estranho que a ginkgo não tenha quaisquer parentes
vivos de fácil distinção. Tal não acontece com as cerca de 350000 espécies
actualmente vivas. Crane procurou explicitar no seu livro que de facto já
existiram várias formas de parentes da ginkgo, mas que todas essas árvores
aparentadas à ginkgo se tornaram extintas e só esta última chegou aos dias de
hoje. Num breve à parte, parece-me a mim que esta árvore é o equivalente
vegetal do crocodilo, que também oriunda dos tempos dos dinossauros e subsiste nos dias de hoje, embora ameaçado pelo Homem.
Foi através do registo fóssil que
os cientistas como Crane e também um seu colega chinês paleobotânico chamado
Zhou Zhiyan, chegaram há conclusão que a ginkgo não se alterou muito em 200
milhões de anos de existência. Zhiyan terá descoberto algumas diferenças na
forma como as sementes estaria agarradas à planta via os fósseis, mas não era
nada de marcante. Já Peter Crane afirma que nos fósseis que ele estudou, com
cerca de 65 milhões de anos, não há quaisquer diferenças. Os fósseis mais
antigos das ginkgo têm pouco mais de 200 milhões de anos.
Quanto ao terrível cheiro dos
seus frutos, que Crane diz ser semelhante ao do vómito, julga-se que se trata
de um agente dispersivo, isto é, uma forma de atrair animais que venham comer o
fruto e depois larguem as suas sementes com as fezes noutro local, dispersando
as ginkgo pela Terra. Deduz-se isso porque há histórias de cães a comerem
frutos desta árvore, ficando depois indispostos. O botânico deixa então a
pergunta no ar, as ginkgo ainda vivem, mas será que os animais que as ajudavam
a dispersar-se ainda subsistem ou já estarão extintos?
O que parece ser certo é que
estas árvores ainda retêm a capacidade de se dispersar pela Terra, portanto
ainda terão algum agente dispersor. Há relatos de castores e esquilos a comerem
frutos das ginkgo, o que segundo Crane não é de admirar, pois após ter passado
o mau cheiro, que é produzido pela parte externa das sementes, as sementes em si
são atraentes (assemelham-se a um pistachio) e são muito nutritivas e
suculentas. Estas sementes costumam cair à terra no final do Outono, no caso
norte-americano, portanto em finais de Novembro, inícios de Dezembro. E a única
salvação do cheiro é o facto do solo congelar, avança o botânico. Contudo, apenas as sementes das
ginkgo femininas cheiram mal, pelo que hoje em dia as ginkgo masculinas é que
são mais cultivadas. As lojas botânicas normalmente têm é sementes masculinas (imagem acima deste parágrafo).
A melhor estimativa de desde há
quanto tempo o homem cultiva a ginkgo é desde há 1000 anos, na China. Deduz-se
isso porque há registos de cultivo de outras plantas na China há mais tempo,
mas a ginkgo só surge nos registos a partir de há mil anos atrás. Supõe-se
também que tal se deva ao facto de a ginkgo ser uma árvore rara desde sempre.
Deverá ter sido primeiro notado pelas suas bolotas e também devido a elas terá
começado a ser cultivada, durante muito tempo só na China, só chegando no século
XIV ou XV, pelas rotas comerciais, à Coreia e ao Japão. O primeiro ocidental a
encontrar-se com uma ginkgo de que há registo, que tenha escrito sobre isso,
Engelbert Kaempfer (sobre o qual vale a pena uma visita à sua página da wikipédia) que estava com a Companhia das Índias Orientais Holandesa no
seu posto comercial no sul do Japão em 1692 (muito tempo depois de Portugal ter
perdido o monopólio do comércio com o Japão, uma história para outro dia). Ao
retornar à Europa, ao escrever sobre a sua estadia no Oriente, ele foi o
primeiro a usar a palavra ginkgo e também a apresentar uma ilustração da
árvore. Podemos ver abaixo um facsimile de uma das suas ilustrações. É provável, indica-nos Crane, que só umas décadas depois a árvore tenha
sido introduzida na Europa, pelos 1730-50.
Quanto às suas propriedades e
usos medicinais, das quais goza a reputação de auxiliar ou aumentar a memória,
o botânico de Yale diz-nos que há duas vertentes, uma ocidental que se foca em
extractos das folhas, e outra tradicional chinesa que se centra nas
propriedades das sementes. No Ocidente e segundo Crane, têm sido feitos estudos sobre se os
derivados das folhas de ginkgo realmente produzem algum efeito positivo
medicinal, mas até agora os resultados têm sido algo que ambíguos, nem provando
nem negando tais propriedades.
Quanto à ginkgo em si,
Crane não sabe exactamente o que a torna tão resistente. O que lhe parece verdade é
que as pestes que atingem outras árvores parecem desgostar das folhas da ginkgo que e
embora as suas raízes não recebam muito oxigénio nas ruas de cidades, mas sim
muito sal e sabe-se lá mais o quê, estas árvores parecem aguentar-se bem
perante tais privações e ataques químicos. Tal faz com que seja uma planta muito usada, por todo o
lado, como árvore de rua. Encontra-se por toda a Tóquio, por toda a Seoul e por
toda a Manhattan, para dar alguns exemplos. Mas note-se que também em Lisboa temos árvores ginkgo, como exemplificado neste link! O livro de Crane também aprofunda a temática das árvores num contexto
urbanístico, alegando por exemplo o efeito psicológico que surge de ter árvores de ambos os
lados da estrada, criando a ilusão da estrada ser mais estreita e levando os
condutores a andar mais devagar, ou a mera produção de sombra que diminui o calor na
cidade, podendo prolongar a passagem, doutra forma rápida, das pessoas por uma
zona de comércio, ajudando à actividade económica por exemplo. Mas também fala noutros efeitos menos utilitários, como
simplesmente tornar mais agradáveis os passeios citadinos, permitindo aos
cidadãos, especialmente aos mais novos, todos os efeitos positivos de andar na
rua potenciados por uma vasta sombra nos dias solarengos de Verão. No livro, Crane conta uma história de uma moradora do Harlem que tem uma
ginkgo à frente da sua casa e que encontra sempre pessoas em redor da árvore
independentemente do cheiro. Crane explica que tal é natural de pessoas cujo
passado cultural seja familiar com as ginkgo. É comum, diz ele, pessoas da
Coreia, da China ou do Japão procurarem uma ginkgo no Outono e apanharem as
suas sementes, na maioria das vezes para consumo próprio e não para venda.
Muitas vezes nem esperam que as sementes caíam da árvore e antes promovem a sua
queda com o auxílio de uma vara.
Contudo, para uma pequena
proporção da população em geral, as bolotas e sementes da ginkgo são tóxicas,
não sendo então aconselhável comer muitas destas sementes. Ainda que concedendo isso, Crane
afirma que o número de pessoas a que isso acontece é mesmo muito pequeno e que
ele já comeu sementes de ginkgo em diversas ocasiões sem lhe causarem mal
algum.
Peter Crane afirma ainda no seu livro, que o cultivo mesmo fora do habitat natural das
ginkgo, embora a manutenção da existência da espécie neste último também seja
importante, é uma óptima ferramenta para garantir a sobrevivência desta planta
rara e tão única. O botânico confessa que esta árvore, devido à sua
intemporalidade face à espécie humana, o ajudou a pensar para além do “aqui e
agora”. Ele acrescenta também que a ginkgo é para ele um equivalente temporal aos
esboços espaciais da Via Láctea com uma seta a apontar para um pontinho que diz
“Estás aqui”, recordando-nos de quão pequenos somos, quão curta é a nossa passagem
pelo Universo do qual não somos o centro e no qual existem coisas bem mais
antigas que nós. Um pensamento fácil para um ateu, mas extremamente confuso
para um crente dos monoteísmos, acrescento eu.
Devido a um trabalho que o reitor
fez sobre um fóssil de Ginkgo, um colega seu teve a gentileza de dar o seu nome
a uma espécie de ginkgo: Ginkgo Cranei. Crane contudo permanece céptico de que isso dure,
inseguro de que as diferenças subtis que o estudo revelou sobre a espécie
fossilizada na verdade venham a ser inexistentes, denotando-se que realmente só existe
uma espécie de ginkgo e que o nome do fóssil reverta para o simples Ginkgo Biloba. No
fim das contas, quem não gostava de ter um bocadinho que fosse de imortalidade,
mesmo que apenas (ou especialmente por isso mesmo!!) simbólica?
Na página da wikipédia portuguesa sobre a Ginkgo, é também indicado que
a planta só começou a suscitar verdadeira curiosidade no Ocidente depois de ter
sido constatado que esta árvore sobreviveu à radiação da bomba nuclear de
Hiroshima. Além disso, aprofunda no uso farmacêutico dado aos derivados desta
planta. A página em inglês da mesma enciclopédia virtual detém ainda mais informação, para quem esteja
interessado em pesquisar mais.
Despeço-me por agora, deixando-vos com uma memória de tempos idos, dum costume brasileiro intitulado de "cartão de paquera", mas a que eu chamaria "o amor espressado em forma burocrática". Bons romances!
Sem comentários:
Enviar um comentário