domingo, 18 de abril de 2010

"Aqueles que servem" - Parte II

Os dias do Samurai parecem, verdadeiramente, ter perecido.
As armas de fogo inevitavelmente tornaram as armas brancas obsoletas, tal como os canhões tornaram as fortalezas uma coisa do passado. E contudo, cada vez mais os exércitos mais avançados do mundo retornam ao passado, equipando os seus soldados com facalhões multiusos, elmos e coletes de kevlar, joelheiras, caneleiras, etc… e treinando os seus soldados nas mais variadas formas de artes marciais, enquanto criam bunkers debaixo da terra ou abrigados no interior de montanhas! Será que os guerreiros do futuro não serão mais parecidos com os samurais que com os soldados que sobre eles descarregaram cartuchos de metralhadora?
Durante a Segunda Guerra Mundial, a figura do Samurai foi usada pelo Governo Imperial para revitalizar o nacionalismo japonês, orientando-o numa via marcial e de vida ao serviço do Imperador e como tal do Império. Os soldados americanos, durante a Segunda Grande Guerra (2ªGG), temeram os ataques banzai dos soldados japoneses, durante os quais estes últimos carregavam ferozmente brandindo a sua katana violentamente contra os primeiros, como se acreditassem possuir capacidades místicas. Tal medo levou a que a seguir à 2ªGG, os americanos impusessem uma proibição contra a posse e fabrico de espadas samurai. Também confiscaram e destruíram cerca de 5 milhões destas espadas e quase que conseguiram fazer desaparecer a arte antiga do forjar destas lâminas. Mas os japoneses conseguiram esconder muitas katanas em boas condições e em 1953 foi levantada a proibição destas armas. Os artesãos fizeram renascer a sua arte, sendo impulsionados pelos bolsos de coleccionadores ricos. Ainda hoje, nos subúrbios de Tóquio, pode-se ouvir o martelar dos Katanakaji, criando estas lâminas supremas segundo os preceitos tradicionais da sua arte.
É também certo que os herdeiros dos samurais ocupavam, já em 1970, 21% dos cargos dirigentes do Japão.
Os teatros kabuki são potenciados pelas histórias épicas dos samurais desde o século XVII e há ainda reconstituições de grandes batalhas da época dos samurais. Para além disso, as artes marciais dos samurais ainda hoje são praticadas com afinco no Japão, mesmo em tempo de paz.

Um bom exemplo destas artes marciais é o Kendo, uma luta de espadas que é praticada utilizando espadas de bambu e protecções corporais.
Contudo, o samurai é o protector do seu senhor e sem guerra torna-se num instrumento sem utilidade… ou será que não? Como nos ensina a Teoria da Evolução, os que sobrevivem são os que se adaptam. Foi esse o caminho dos samurais. Os seus preceitos de estratégia, honra, respeito e etiqueta foram adaptados aos tempos modernos. Alguns tornaram-se polícias e militares, até mesmo bombeiros (pode-se ver à direita um capacete de bombeiro japonês, que se assemelha a um elmo samurai)
. Outros dirigentes de grandes empresas e políticos ao serviço do seu país. Como é bem vinculado no filme “Rising Sun”, “buisiness is war!”. E se os negócios são guerra então são da província do samurai.
Mas para muitos o tempo dos samurais já lá vai e ainda bem. Com a adopção do pacifismo no pós Segunda Grande Guerra, o mero uso da palavra samurai pode causar mal-estar entre japoneses. Para esses japoneses, o samurai é um símbolo de morte e guerra e preferem assim usar a outra palavra para guerreiro que é bushi.
Ainda assim, por muito que os japoneses possam não querer, o samurai (seja a figura em si seja a ideia mitológica da figura, ou mesmo as ideias cinematográficas da mesma) ainda vive no colectivo cultural do Japão e na minha opinião é provavelmente a sua imagem de marca, tendo sempre talvez um ou dois ninjas na sua sombra. Essa imagem foi criada pelo cinema, pelas mangas e consequentes animes que foram criadas e exportadas do Japão para o Mundo, na segunda metade do século XX. O samurai influenciou até a Guerra das Estrelas, onde os que mantêm a paz usam quimonos e têm como arma predilecta uma espada, onde o Darth Vader é uma armadura de samurai futuresca, um samurai ao serviço dum imperador.

Desta forma, e considerando também os escritos e poemas dos samurais que sobreviveram e ainda hoje são estudados e lidos, acho que podemos seguramente dizer que, embora a sua época tenha passado, os samurais ainda andam por aí muito embora possam usar canetas em vez de espadas!


A minha interpretação do código de Samurai – Capítulo 2

A visão do código sobre o Dever Filial do samurai é bastante fria e calculista, e, como tal, é essencialmente perfeita do ponto de vista lógico. Diz então o código que o samurai deve ter conhecimento do que é correcto em todos os assuntos ou situações, pois tal é exigido no bushido. Alguém que descuide dos seus deveres de filho é alguém que não reconhece que deve a sua existência aos seus pais ou de que é carne da carne dos seus pais, logo não tem uma boa consciência da relação causa/efeito, e como tal não terá capacidade de discernir o que é correcto ou não. Como tal, tal pessoa dificilmente poderá ser alguma vez considerada um samurai.
Segundo o código, há duas situações a considerar:

-1ª- os pais são carinhosos e responsáveis para com os seus filhos, providenciando-lhes todas as oportunidades que podem aos seus filhos, ministrando-lhes uma correcta educação, sem deixar que nada lhes falte e, quando falecerem, deixarem aos filhos tudo o que possuíam em vida. Quando tal acontece é fácil para o filho cuidar dos pais quando estes precisam e tal não é extraordinário nem digno de elogio. É apenas o cumprimento do seu dever filial, pois afinal se quando uma pessoa não da família nos ajuda com verdadeira amizade e em boa-fé, sentimo-nos dispostos a proceder amavelmente e fazemos coisas por ela mesmo que sejam contrárias aos nossos interesses, como é possível não termos a mesma atitude pelo nosso próprio sangue?
-2ª- Mas quando os pais são ausentes e mesquinhos, velhos irresponsáveis assim tornados pela idade e pela perda do tino, quando passam os restantes anos da sua vida a reclamar a propriedade do lar ou a fazer chantagem emocional ou quando querem sempre mais para eles sem olhar ao estado económico da família, e que dizem ainda mal da sua família às pessoas que encontram na rua, até mesmo esses pais devem ser respeitados e bem tratados. Deve-se moldar o seu mau comportamento, amainar as dores da sua senilidade e mesmo sentir tristeza por estas os afligirem, sem nunca dar-lhes conhecimento de contrariedade da nossa parte. Dar o máximo por pais assim é possuir verdadeira piedade filial.

É aqui que entra a minha visão das coisas, pois na minha opinião há mais duas situações! Uma delas é o meio-termo entre as duas situações anteriores, que aconteceu e acontece entre os meus pais e os meus avós. Nesse aspecto, devo dizer, creio que os meus pais (daquilo que eu pude presenciar e testemunhar) são autênticos samurais, tanto no que diz respeito ao dever filial como enquanto pais.
A outra e última situação são os pais tirânicos. Sejam eles demasiado ausentes ou autoritários, violentos ou pedófilos, pais desses na minha opinião não merecem quaisquer considerações filiais, pois também eles não cumpriram com os seus deveres paternais. Tais casos estão omitidos do código e achei que este meu parecer do código poderia ficar mais completo. É certo que há situações e situações, pode haver pais autoritários ou ausentes que anos mais tarde vejam o erro das suas acções e procurem fazer emendas. Acho que aí cabe aos filhos julgá-los e decidirem se merecem ou não essa 2ª oportunidade, embora o povo diga que “toda a gente merece uma segunda oportunidade”.

O código diz ainda que um senhor só pode confiar numa pessoa que seja leal para com a família, pois quem assim não for é provável que abandone o serviço do seu senhor assim que sobre este se abata maus tempos, de pobreza ou fraqueza. Poderá até trai-lo para um inimigo num momento de grande necessidade! Ao invés disso, alguém que é leal para com os seus, terá um perfeito entendimento do que é a lealdade e lutará pelo seu senhor até na mais negra das horas… talvez, especialmente, na mais negra das horas. Um ditado popular japonês é citado no código e citá-lo-ei igualmente:
“Procura vassalo leal entre as pessoas filiais!”