segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Anime - Como remakes deveriam ser feitos...

Para fazer um breve interregno no tópico do Karate (para mim obviamente fascinante e interminável, e o qual sem dúvida voltarei a abordar aqui no blog), e motivado por ter visto ontem um filme de anime que ainda não conhecia, vou hoje abordar o Anime.
É um sub-género de cinema e mais que isso é uma sub-cultura. O que inicialmente me atraiu no Anime foi a sua potencialidade e aptidão para tocar na ficção científica e no sobrenatural, sendo que descobri este tipo de cinema ao mesmo tempo que deixei de ler bd (que ainda hoje me faz as delícias) e comecei a ler livros de Sci Fi, particularmente da massiva colecção de livros de bolso do meu pai. Subsequentemente e graças à originalmente gloriosa Sic Radical, descobri todas as outras avenidas do Anime, como a veia mais cómica que sinceramente não me diz muito porque não acho grande piada ao estilo de humor utilizado, ou a veia pornográfica do sub-sub-género do Hentai (essa sim por vezes espectacularmente cómica:).
O filme que vi e que motivou esta entrada chama-se Demon City (Makaitoshi Shinjuku). O título em versão inglesa lembrou-me imediatamente de um outro filme que já vi repetidamente e adorei chamado Wicked City (Yôjû toshi), o qual já tinha reparado partilha o esqueleto do enredo com o clássico da animação japonesa intitulado Ninja Scroll (Jûbê ninpûchô). Quando digo que partilha o esqueleto do enredo refiro-me a que ambas as histórias tratam as aventuras de um velho com uma agenda muito própria, uma rapariga corajosa (mais ou menos poderosa conforme o filme) e um homem que será o objecto de amor dessa mulher corajosa e quem no final terá de derrotar o chefe dos demónios que os três defrontam para atingir os seus diversos objectivos. Ora, não me espantou nada que o Demon City também tivesse esta estrutura básica. Mas o mais engraçado é que embora a planta destes três filmes seja a mesma, as variadas nuances fazem com que valha a pena ver todos os três. No resto do post vou referir-me aos filmes por 1º,2º e 3º, quando tal acontece em geral é devido à ordem cronológica: o Wicked City (1987) foi o primeiro; o Demon City (1988) veio depois; e o Ninja Scroll (1993) foi o último a estreiar.


O Demon City é sem dúvida o mais meloso, mais próprio para uma audiência juvenil, embora haja um gore versão light. Mas a rapariga é nova e ingénua, não tem qualquer poder supra-humano, e não há qualquer cena erótica ou sexual no filme, embora haja uma cena à James Bond com uma personagem que não faz parte do esqueleto partilhado dos filmes e que nem cheguei a perceber exactamente o seu papel. Mas chama-se Mefisto (um nome de demónio que também é usado por uma personagem do universo Marvel), é um gajo todo estiloso que faz lembrar o vampiro Alucard da série de anime Helsing (que na minha opinião foi mal escrita, embora eu tenha gostado muito do seu universo. Mal escrita porque deixou demasiado por explicar. Por exemplo, como é que o pai da Helsing conseguira vincular o Alucard à sua vontade, sendo o Alucard tão poderoso). Há também outra personagem que é um puto de rua que até é interessante. É um sobrevivente e isso chega para me fazer gostar dele. Julgo que estas duas personagens surgem para mitigar a aparente falta de confiança e de vivência do casal principal. http://www.imdb.com/title/tt0094995/



No Wicked City, acontece exactamente o contrário. O filme abre logo com uma cena em que o herói é engatado por uma gaja num bar e corta para uma cena de sexo abertamente erótica. E esse erotismo ecoa o filme todo em variadíssimas outras cenas. De facto, o velho mestre neste filme faz-se passar por um velho tarado e indefeso durante todo o filme. Mas existe uma razão para tal que só é dada quando no fim se percebe as diversas agendas de todos os envolvidos. O herói neste filme não carrega uma katana, mas tem antes um poderoso e futurista revólver, e é mais próximo de um James Bond cruzado com Dirty Harry (por causa da Magnum 44) do que com um samurai. (Se bem que seria fácil comparar o Bond a um samurai... mas isso fica para outro dia.) Mas é uma personagem que pretende ser cínica e nada romântica, o típico engatatão que nunca se apaixona, até a Maki lhe quebrar o gelo em torno do coração. Contudo a heroína do filme é a versão demoníaca do próprio herói e como tal tem bastante mais poder que ele, mero humano. Uma nuance engraçada face aos outros dois filmes é que o herói é logo avisado (por várias personagens que o conhecem e sabem da sua veia Don Juan) que não deve ter nada com ela sexualmente, até porque corre o rumor que se um homem mortal copula com uma demónio, ou morre de seguida ou fica para sempre com disfunção eréctil. Mas o sexo não é desnecessário nem gratuito neste filme e no final entendem porquê. http://www.imdb.com/title/tt0098692/


Já no Ninja Scroll temos um belo equilíbrio. Existe algum erotismo, mas não tão carregado como no Wicked City, o herói e a personagem feminina começam por ser como um cão e um gato, mas acabam por se apaixonar, mas neste caso e muito cedo no filme sabemos que a jovem Kagero tem um poder deveras estranho e que é uma maldição mais que uma benece. Ela é venenosa, um mero beijo dela mata um ser humano normal, o que os impede de consumarem o amor deles sexualmente. Já o Jubei é um ninja a soldo, sem lealdade a ninguém excepto a si mesmo, característica que partilha com o herói do Demon City além da arma de ambos ser uma espada (respectivamente, uma de bambu e outra de bom aço nipónico). Contudo, o Jubei é um homem feito, seguro das suas capacidades e que, como o Renzaburo Taki, procura apresentar-se como cínico e insensível. Ainda que o Taki fosse um Black Guard e devesse lealdades e o Jubei não. Portanto, o Jubei é um misto dos dois heróis que o precederam. Assim como se calhar a Kagero também é um misto da ingénua Sayaka (Demon City) com a sabida mas amorosa Maki (Wicked City). http://www.imdb.com/title/tt0107692/

Em todos estes filmes, o velho é pouco mais que um manipulador e/ou observador dos acontecimentos, embora seja o jogador de xadrez num dos lados do tabuleiro. A verdade é que gostei de todos estes filmes e acho que cada nova reencarnação desta mesma história consegue ser um bom recontar da mesma e sempre acrescentar uma nuance que a torna completamente diferente, sem que perca a empatia das personagens, mantendo ainda assim a mesma estrutura facilmente reconhecida de um trio (um casal e um velho sábio) que defronta uma série de demónios para manter um período de paz na Terra. Holywood deveria estudar estes filmes para aprender como se fazem remakes bem feitos. Se bem que gosto mais das personagens no Wiked City e no Ninja Scroll, ou seja primeiro e último da série, do que no Demon City, mas apenas porque as deste último são em geral mais novas e ingénuas, enquanto que as dos outros dois são bem mais cínicas e quebradas pela vida. Por outro lado, é isso que torna esse filme diferente dos outros dois.
Sendo eu como sou, fui pesquisar no IMDb e descobri que o escritor Hideyuki Kikuchi é responsável pelas histórias tanto de Wicked City como da Demon City, e já agora foi também este senhor que criou a história do Vampire Hunter D, que eu também gosto muito. Já o realizador/escritor Yoshiaki Kawajiri ajudou a criar as personagens dos 3 filmes e realizou o Wiked City e o Ninja Scroll. Logo, as coisas não acontecem por acidente. Quanto ao Ninja Scroll já há algum tempo que se ouvem zum-zuns na net sobre fazerem uma versão live action. Pelos vistos o IMDb confirma que tal irá acontecer, embora ainda esteja em fase embrionária e sem data de estreia: http://www.imdb.com/title/tt1314656/
Outro desenvolvimento interessante, que descobri apenas quando andava à procura de imagens para este post no google, é que aparentemente vai haver um filme Live Action do Wicked City. Eu não gosto muito quando fazem estas transições, mas verdade seja dita a versão Live Action em 3 filmes da série Death Note tá brutal, pelo que vou ver o filme assim que possa e possivelmente digo-vos o meu veredicto daqui a uns tempos.







Sayonara `_´

domingo, 23 de outubro de 2011

A Via da Mão Nua - Parte 3_Cinema

Hoje tenho o prazer de cruzar como tópicos duas das artes que mais me inspiram: artes marciais e cinema.
Como esta é a terceira entrada sucessiva do blog sobre Karate, restringirei os filmes abordados a filmes que falam directamente de Karate. Como tal, os 3 filmes que tenho de falar são sem dúvida The Karate Kid (o original), Best of the Best, e um filme japonês soberbo chamado Kuro-obi (aka Black Belt). A ordem dos filmes é a ordem pela qual eles entraram na minha vida. (no final de cada crítica deixo o link para a página do filme no IMDb).

Muito pouca gente da minha geração e do dito 1º mundo se pode queixar de nunca ter viste pelo menos um dos filmes deste duo dinâmico que são o Sensei Miyagi e Daniel-san. Para mim, o melhor dos filmes é o original, pois retrata o Karate duma forma bastante justa, se bem que algo que romanceada. É difícil de acreditar que mesmo com um sensei totalmente dedicado a nós consigamos passar de um esforçado cinturão amarelo para um cinturão negro capaz de ganhar um campeonato apenas porque tem um golpe de recurso que "quando bem feito, não tem defesa". Não há golpes desses na realidade. Contudo, a mensagem do filme é muito mais pura que o sensacionalismo da sua acção. Retrata bem a utilidade do Karate para engrandecimento do carácter do praticante, pois no final até o bully que passa o filme a dar porrada ao herói se reforma e é ele quem lhe entrega a taça de campeão e grita-lhe entre lágrimas "Tu mereceste-a!", validando assim a tese do Mr Miyagi que diz que "Não há maus alunos, apenas maus professores". E realmente, a veia violenta dos alunos do Kobra Kai dojo era pura indoutrinação por parte do Sensei do dito dojo que aprendera Karate no contexto do exército dos EUA. A máxima fica que o que interessa não é a vitória exterior, mas a vitória interior. Conseguirmos o auto-conhecimento e o auto-respeito para conseguirmos o respeito dos restantes. Mas o lema do filme é "Treinamos para não termos de lutar; mas se tivermos de lutar, que seja para ganhar." São boas lições para se ter, quando se vive no mundo em que vivemos. Para além disso, curto bué aquela música de flauta, tipicamente japonesa, que compõe a maior parte da banda sonora do filme. É mesmo... zen!
As sequelas deste filme são ambas aceitáveis, mas quanto ao filme em que o Mr Miyagi tem de treinar a rapariga e quanto ao novo filme com o Jacky Chan, que é Kung Fu kid na melhor das hipóteses, não me vou pronunciar. São filmes feitos apenas para continuar a explorar uma marca até ao último dólar.
http://www.imdb.com/title/tt0087538/

O filme seguinte é um pouco diferente. Não é direccionado a uma audiência mais nova, mas sim a uma audiência adulta. Trata uma história de vingança ou desejo de vingança versus o medo de perder o autocontrolo.


Nesta história, os karatecas são todos eles já praticantes batidos e de facto o filme começa com uma competição por eliminatórias onde são escolhidos os 5 melhores karatecas dos EUA, para representar o país contra os 5 melhores da Coreia, num torneio por acumulação de pontos por equipa. Sendo que os coreanos no filme são os campeões do momento, há um favoritismo normal nos filmes do lado dos "vilões", embora esta não seja um filme entre o bem e o mal, a menos que se esteja a falar do eterno conflito que decorre dentro do coração de cada um de nós. Uma das personagens principais carrega um fardo vingativo dentro de si, contra a pessoa contra quem terá de lutar no torneio. Mas o seu desejo não é utilizar o torneio para obter vingança, antes vemos a personagem congelada pelo medo de não se conseguir controlar e magoar ou matar a outra pessoa, para óbvio detrimento de si próprio. Mais uma vez é um filme focado em amizades, em trabalho de equipa, em sacrifício pessoal e que enaltece como qualidades humanas superiores o respeito, o autocontrolo, e a sempre constante máxima de que "a vitória não é o mais importante". O Karate versus Tae Kwon Do (que se pode dizer o Karate coreano) é porreiro de se ver. Não gostei da cena de se partir tijolos. Nunca conheci esse lado do Karate.
http://www.imdb.com/title/tt0096913/
A sequela deste filme já se perde um pouco, embora seja um filme perfeitamente passível de se ver para quem gosta de filmes de acção com artes marciais à mistura, mas já não tem nenhuma da mensagem do primeiro, excepto a força que existe nos laços da amizade.


O terceiro e último filme desta entrada é uma verdadeira pérola. Um mestre tem 3 alunos, todos eles com diferentes capacidades. Quando o filme começa, percebemos que 2 desses alunos são extremamente dotados, enquanto o 3º por comparação é de facto inapto na arte do Karate, pelo menos na parte física. Os dois alunos dotados são opostos naturais: um crê que a tónica do karate deve ser colocada no ataque enquanto o outro a coloca na defesa. Quando o filme começa, o mestre está prestes a escolher qual dos seus 3 alunos deve ser o próximo mestre do dojo, aquele que receberá o cinturão negro (Kuro-obi, black belt). Quando o mestre morre subitamente no início, passa o cinturão negro ao mais inapto dos 3, não para que ele seja o próximo mestre, mas para que seja ele a decidir qual dos seus dois colegas merece tal honra. Qual é verdadeiramente o mais forte, o mais sábio? Qual das vias está mais correcta, a do ataque ou a da defesa? Esta é a temática deste filme, em cujo os golpes de karate são crus e executados sem floreados como na vida real, algo que raramente se vê no cinema. O combate final é espectacular, pela sua subtileza e veracidade. Não percam este filme, mesmo que não pratiquem Karate. É soberbo.
http://www.imdb.com/title/tt1084019/

Luzes, câmera e sayonara!

sábado, 22 de outubro de 2011

A Via da Mão Nua - Parte 2_Personalidades

O fim-de-semana identificado na imagem (ver imagem abaixo) foi muito importante para mim por variadas razões, mas a que interessa para este post é o facto de ter feito nesse estágio o meu primeiro exame de Karate. Passei de nono kyu para oitavo kyu ou, em termos leigos, de cinturão branco para cinturão amarelo. Embora tenha corrido o risco de parecer pomposo ou presunçoso na frase anterior, esta última foi pensada com várias intenções.

O seu primeiro objectivo foi chamar a vossa atenção para os graus de aprendizagem segundo os japoneses. Qualquer grau de kyu pertence a um iniciado de qualquer nível (cintos branco a castanho). Qualquer pessoa que possua um cinturão negro (merecido ao invés de comprado apenas :) tem um grau de dan. Na origem do Karate, só haviam duas cores de cinto que era usado para fechar e segurar o gui (nome dado ao fato de treino tradicional do karate). Essas duas cores eram o branco e o preto, os alunos e os mestres. Mas mesmo os mestres são sempre alunos, mesmo quando têm o grau mais elevado são alunos. Há sempre que continuar a pesquisar, que procurar aprender mais. Uma história que se conta entre Karatecas é que um grande mestre, às portas da morte, deitado, executou um golpe, o primeiro golpe que se aprende no Karate que é o murro simples chamado O-itsuki. Ao fazer o golpe, o mestre exclamou "Finalmente consegui atingir o verdadeiro itsuki com kime". E morreu. Ou seja, devemos treinar e meditar na nossa arte até ao fim pois é, como em qualquer acto artístico, um acto filosófico que como tal tem consciência de ser uma verdade perpetuamente incompleta.

O segundo objectivo da frase presunçosa chegar ao ponto de falar das questões do cinto. Foi a ocidentalização do karate que gerou os cintos de variadas cores. Aparentemente, nós ocidentais não conseguimos fazer nada sem um reforço positivo, utilizando um termo da psicologia de Watson, e esse reforço positivo foi dado como subindo nas fileiras através dos exames. "Se passares, levas um cinto novo para casa e por implicação toda a gente saberá que és um grau mais sabedor". A tal história do ser um Winner ou um Loser... malditos americanos... Para mim, o cinto não interessa. Interessa o que a pessoa demonstra em atitude e em capacidade física, pois aí se vê de facto quem é o bom karateca. Como indica o Mr Miyagi no filme Karate Kid (pronto, ok... os americanos fazem algumas coisas bem feitas...) o Karate está no coração e na mente [que para mim são a mesma coisa: o lado emocional e o lado racional da mesma moeda]. A mon avis, não é o cinto que faz o karateca, tal como "não é o hábito que faz o monge", citando um ditado do meu povo.

Mudando o assunto, o senhor que figura na imagem acima é o Sensei Taiji Kase. Era o sensei de grau mais elevado da associação de Karate segunda a orientação da qual eu primeiro treinei. O Shotokan praticado era muito tradicional, isto é, restringia-se muito ao praticado originalmente pelo Sensei Funakoshi, que julgo não estar em erro ao dizer que foi mestre directo do Sensei Kase. Como ainda era um mero cinturão branco, o meu trato com o sensei Kase foi muito breve. Ele deu um pequeno mas esforçado treino a alunos de 9º,8º e 7º kyu, com a ajuda dum outro sensei português que traduzia do inglês para português. No final do treino, tivémos uma pequena sessão de perguntas e respostas com o sensei Kase, no início da qual ele nos falou um pouco de si mesmo e da sua história deveras incrível. Aparentemente, no Japão, quando ele era miúdo, o Karate era tão tido em conta pela sua natureza letal que só a partir dos 18 anos é que se podia começar a praticá-lo. Assim sendo, o sensei Kase quando gaiato treinou judo, arte na qual ele também chegou a dan. Isto levou a que a especialização eventual do sensei Kase no Karate fosse em projecções. Outro facto que me ficou na memória foi o de ele ter treinado para Kamikaze na Segunda Guerra Mundial. Acabou por nunca ter de utilizar esse treino, pois a guerra entretanto terminara. Uma rapariga presente perguntou-lhe o que ele sentira, depois de tanto treino e condicionalismo psicológico, quando percebeu que não chegaria a ter de ir no seu voo final. A sua resposta foi cândida e breve, mas pungente e acompanhada dum sorriso honesto: "Relief" (alívio). Ele contou-nos que os Kamikaze não eram doidos nem zelotas, apenas pilotos que sabiam que se não fizessem aquele sacrifício, a sua família seria para sempre desonrada em público, ou seja, para toda a restante sociedade nipónica tornar-se-iam intocáveis. Seriam ignorados, impossibilitados de qualquer bom salário, viveriam em constante miséria. No Japão, a honra é mais valiosa que a vida... Pois é, graças ao Karate eu conheci um piloto Kamikaze... vivo!

Outro sensei extraordinário que conheci foi o sensei Dirk Heene, que podem ver na foto acima. Com este sensei tive um trato maior, ou melhor dizendo de maior proximidade, pois tive a honra de por ele ser chamado duas vezes para demonstrar as combinações que iriamos treinar. Quando cheguei ao pé dele e depois de feita a vénia, o sensei perguntou-me o meu nome. Eu respondi Alexandre. Ele não percebeu. Então, não querendo fazê-lo perder tempo, eu ri-me e disse Alex. Ele virou-se para mim, com a maior das naturalidades e disse: "No, please I wish to learn." Agora, se o sensei fosse uma pessoa rude ou demasiado orgulhosa poderia ter achado que eu não acreditava que ele pudesse reproduzir o som correcto do meu nome na minha língua e ficasse por isso ofendido. Tal não foi o caso. Eu disse as 4 silabas do nome pausadamente e ele repetiu-as e depois disse tudo seguido conseguindo um som bastante próximo de como soa em Português. Eu fiz um sorriso de satisfação, porque adoro a minha língua e tive gosto tanto em ensiná-la como no sensei querer aprendê-la, por muito que fosse apenas o meu nome. Mas sinceramente acho um acto de humildade estarmos dispostos a aprender de quem quer que seja, mesmo que seja hierarquicamente inferior a nós e/ou bastante mais novo, e essa foi a mais preciosa lição que o sensei Dirk Heene me deu. À segunda vez que lá fui, ele chamou-me pelo nome!

Estes são exemplos mais "mediáticos" (entre aspas porque não são pessoas famosas apenas muito conceituadas neste meio) do tipo de pessoas que encontramos no Karate. No meu dojo, por exemplo, existem pessoas incríveis, cada um à sua maneira, de vários extractos etários e camadas sociais, mas todos humildes, acolhedores, sem peneiras, seres humanos de primeira categoria.
O contacto com eles foi sem dúvida um dos maiores benefícios que tive e tenho no Karate, pois através do seu conhecimento, da sua habilidade de puxar por mim, de me acolher, de me ensinar, de me proporcionarem experiências, eu cresci imenso como ser humano, e tenho o devoto desejo de prosseguir nesse caminho interminável que já comecei.

Não sei se alguma vez perceberei o Kime ou o O-itsuki como o sensei moribundo da história que acima vos contei, mas não tenho quaisquer dúvidas de que o caminho que percorrerei na tentativa de chegar a essa compreensão, falando tanto de forma literal como figurativa, vai ser tão digno de percorrer como árduo e satisfatório!


Sayonara... por agora!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A Via da Mão Nua - Parte 1_Oss

Karate Do significa literalmente "Via da Mão Nua". É uma arte marcial. Na minha opinião, é um dos sistemas de artes marciais mais completos e práticos. É uma arte marcial de "meia idade". Se o Kung Fu for uma arte marcial ancestral e por exemplo o Crav Maga uma arte marcial moderna, o Karate surgiu entre uma e outra, em termos de origens históricas.

Como acontece no Kung Fu, seu antecessor evolutivo, existem várias escolas ou estilos de Karate, que variam conforme a personalização que cada mestre traz. Muitas vezes depende apenas da maneira como cada mestre enfrentaria determinada situação. E, como é típico nos humanos, embora todos tenhamos 2 pernas e 2 braços e uma cabeça, há variadíssimas perspectivas sobre como os empregar para auto-defesa.
Que não hajam equívocos: o Karate é uma arte marcial de defesa pessoal. Foi concebida pelos camponeses, proíbidos por lei na época feudal de possuírem armas ou de se treinarem com elas, como um sistema de defesa desarmado. Usavam-no para se defenderem e aos seus de piratas e salteadores, enquanto os senhores feudais que os deviam proteger se andavam a matar uns aos outros. Embora seja de defesa, é uma arte marcial produzida num ambiente em que os seus golpes, a sua eficácia, poderia ser a diferença entre a vida e a morte. E como tal, o Karate pode ser letal. De facto, a filosofia de combate do estilo de Karate que pratiquei e pratico é "um golpe, uma morte!". Não quer com isto dizer-se que o Karate tem de ser sempre letal. Compete ao karateca saber controlar o seu poder na sua totalidade, obter o tão desejado auto-controlo. Hoje em dia seria talvez mais adequado dizer "um golpe, um adversário derrotado". Mas dizemos a frase tradicional, para passar a ideia de eficácia de uma forma mais pungente. Mas sabendo e transmitindo que não treinamos para matar, treinamos para defender a vida, de forma violenta se absolutamente necessário.


O estilo que pratiquei e que sempre será a minha base nas artes marciais chama-se Shotokan. Acima pode-se ver o seu símbolo, um tigre. O mestre que criou este estilo chamava-se Guinshin Funakoshi. Abaixo estão expostas as máximas do seu estilo:


Estas simples máximas são bastante reveladoras relativamente ao que o sensei Funakoshi desejava instigar no carácter dos seus alunos. E lendo nas entrelinhas, vemos que surgem por consequência natural destas cinco, outras máximas. A etiqueta, o auto-controlo, a sinceridade e o carácter produzem respeito, por nós mesmos e pelos outros com os quais nos cruzamos. O auto-controlo e a etiqueta implicam boas maneiras no trato com os outros. A sinceridade e o carácter exigem honestidade.
E embora seja uma arte marcial (= combate) não quer de maneira nenhuma implicar que seja um veículo de violência. Até hoje, em onze anos de Karate, nunca usei os meus conhecimentos fora do dojo. Aprendemos, precisamente no Karate (ou pelo menos assim me ensinaram os meus mestres), que a violência não é uma solução, apenas uma última medida desesperada. O Karate ensina-nos a experimentarmos todas as avenidas antes de recorrermos à violência. Uma vez contaram-me uma história no dojo. Um dos senseis ancestrais a certa altura, já um mestre de pleno direito, foi assaltado na rua e ao invés de resistir ao assaltante, tendo o poder de o matar com as próprias mãos, optou por lhe dar tudo o que tinha e voltar nu para casa, de cabeça erguida. Homens menos cultos poderiam dizer que a sua atitude foi cobarde. Eu digo que foi a mais honrosa possível, evitando qualquer violência em prole de reter meras posses materiais. Como diziam no filme original do Karate Kid "Treinamos para não termos de lutar!". "Mas se tivermos que lutar, que seja pra vencer!"(não estou a citar, mas a parafrasear). Pensando bem, acho que o fictício Mr Miyagi (interpretado pelo único Pat Morita) foi o meu primeiro mestre de Karate, anos antes de eu ter pisado o interior dum dojo.


O Karate tem muitas dimensões. Uma dimensão física pois treinamos o nosso corpo a todos os níveis (elasticidade, força, agilidade, rapidez), para estar aptos numa situação de perigo. Uma dimensão mental, treinamos a nossa mente para que a reacção do corpo seja rápida, precisa, eficaz e calma; desta forma, quando tal reacção for necessária, surje numa forma que eu descreveria como um "instinto consciente e controlado"(parece uma contradição nos termos, mas é esse o objectivo ideal). Pode ter igualmente uma dimensão social e cívíca, pois podemos construir dos seus ensinamentos mais puros um conjunto de princípios morais que podem ser aplicados em todos os aspectos da nossa vida. &, last but not least, a espiritual: pois o que procuramos é quebrar os limites da nossa mente e corpo, e mesmo os obstáculos entre um e o outro (ao treinarmos karate lidamos muito com a frustração de o corpo não ser tão rápido ou forte como a mente deseja que seja, ou por outro lado, que a mente já cansada não comande o corpo como deve de ser. Procuramos eliminar essas dificuldades). Procuramos a transcendência e a iluminação, trabalhando corpo e mente, como um todo.

O sensei Funakoshi deixou uma frase para as gerações vindouras que para mim diz tudo:

"O propósito do Karate não é a derrota nem a vitória, mas o aperfeiçoamento do carácter do praticante."
Uma filosofia bem mais saudável que a filosofia ocidental criada nos EUA em que ou somos os melhores ou somos Losers... não há meio termo. Prefiro a via do sensei Funakoshi.


A mim, pessoalmente, o karate ajudou-me muito! A um nível básico melhorei a postura do meu corpo, ganhei destreza física e saúde. A um nível psicológico ensinou-me a focar, ensinou-me a escapar à realidade por breves momentos entregando-me de corpo e alma ao treino, e permitiu-me perder um pouco da timidez inibidora que tinha anteriormente. Sim, também me sei defender, tenho um bom auto-controlo da minha arte, e ando com segurança onde outros poderão andar com medo. Mas ensinou-me também a evitar locais onde possa encontrar problemas. Ensinou-me a andar na rua atento e focado, quer seja aos carros, às pessoas que me rodeiam, a tudo. Deu-me um novo nível de consciência pessoal, além de me dar a oportunidade de conhecer pessoas espectaculares, algumas das quais com capacidades verdadeiramente incríveis.
Voltaremos a abordar este assunto tão vasto, tão potente...



OSS