segunda-feira, 4 de março de 2013

Genpatsu, Kissinger, Portugal


Não é fácil definir o conceito de Energia, mesmo em termos formais da ciência. Podemos dizer que é uma das componentes existentes quando há interacção entre dois entes ou sistemas físicos. Podemos ainda dizer que é uma componente essencial à realização de trabalho. Em termos metafísicos, esotéricos ou sobrenaturais ainda mais nos perdemos num labirinto de retórica que, desastradamente, procura parecer sábia mas é vã. Concentremo-nos na ordem natural das coisas, que é mais que suficiente para este nosso Verso. Queria um kanji para título deste post, mas a verdade é que, pelo que eu encontrei, o termo japonês para energia (homólogo deste nosso) é um japonesismo da palavra Enerugï, que se escreve em kanji:エネルギー. Existem outras duas palavras japonesas que descobri para energia, mas ambas são específicas: o Ki = 気 (energia espiritual) e o Denki = 電気 (energia eléctrica). Mas até compreendo os japoneses. Reflectindo sobre o assunto, é um pouco estranho termos uma palavra que sozinha não tem definição directa. Se falarmos energia mecânica, eléctrica ou cinética (por exemplo), sabemos instintivamente o que são. Mas se dizemos apenas energia é um tudo que é nada. E contudo, sabemos que é algo. Como a própria energia, o conceito em si é algo não palpável. Muitas vezes me sento em frente à minha lareira a olhar as chamas bruxuleantes no seu interior, como se nelas pudesse estar a resposta à minha pergunta, o que é o fogo? É sem dúvida um dos resultados duma combustão. É energia. É luz. É calor. É tudo isso. Mas o que é? Fogo.
Num filme, que eu não desgostei, chamado “The Celestine Prophecy”, que eu vi originalmente porque nele entra o ilustre Joaquim de Almeida, é dito a certa altura que todas as interacções humanas são resultado de interacções de campos energéticos gerados pelos seres vivos, os quais nós nem nos apercebemos que existem. Na mitologia do filme, a tomada de consciência desses campos e a realização de que não nos devemos procurar dominar uns aos outros (ou, neste contexto, sugar energia ao próximo), leva a um mais elevado plano espiritual. Mas isto tudo para chegar ao ponto de que nesse filme é dito que todas as guerras ou disputas humanas são essencialmente por energia. De facto, acaba sempre por ser, em última análise. Se na Pré-História guerreávamos por territórios de caça, era porque necessitávamos dessa caça para fornecer energia aos nossos corpos. Hoje lutamos por petróleo, por gás natural, por metais radioactivos, etc… mas essencialmente, lutamos por energia em qualquer que seja a sua forma. De facto, nós somos energia. Como diria o Yoda: “Seres luminosos somos nós, não esta rude matéria.” E como adorava Christopher Hitchens relembrar, parafraseando outro autor: “Esqueçam lá a morte de Cristo, estrelas tiveram de morrer para nós estarmos aqui hoje. Não é isso mais glorioso que o Arbusto Flamejante?”




Por falar em Mitologias… Na minha infância, antes de ler romances, policiais e ficção científica, lia Banda Desenhada. Entre as muitas que lia, como não podia deixar de ser para alguém da minha geração, estava a das Tartarugas Ninja. Estranhamente, a saga que eu mais gostei dessa BD, foi uma na qual não entravam os intervenientes do costumo. O Destruidor (The Shredder), o Krang, o Beebop e o Rocksteady, e o seu exército de Ninjas Foot, foram trocados por um clã de ninjas tradicional e místico, um samurai feiticeiro que odeia a Humanidade e uma ninja raposa, lacaia deste último. Em vez de Casey Jones como aliados, temos um rapaz que se consegue transformar num dragão gigante. Nova Iorque aparece substituída por Hiroshima. Mas o que me apaixonou nessas edições que nem vinham seguidas mas de forma intercalada, eram as introduções. Um mito de criação do Japão (acima), uma cena contextualizada no dia fatídico da queda das bombas nucleares (abaixo), dando-nos um vislumbre sobre a vida anterior do Mestre Lascas (Sensei Splinter).
Depois a história essencialmente, era que o Samurai Feiticeiro queria usar o Dragão Guerreiro, para destruir uma uzina nuclear, cuja energia iria soltar um Demónio para destruir a Humanidade. Com uma ajudinha dos Deuses do Yin Yang, os Tartas conseguem furtar tais planos, que são afinal uma ameaça terrorista hoje em dia tão passível de ser tornada realidade, mesmo sem a existência de dragões e demónios ou deuses.

 
Queria apenas partilhar esta parte da minha infância convosco, pois foi um pouco dela e da actualidade, que me surgiu a inspiração para este post e para a imagem a que chamei Mushroom Yin Yang. Mas digresso…


O Japão está, muito como Portugal, ou mesmo como toda esta nossa Aldeia Global, num momento de mudanças impostas pela inevitabilidade das consequências das decisões do passado. Fantasmas de outrora influenciam o momento presente. A Crise, que no grego antigo quer dizer Momento de Mudança, é diferente para Japão e Portugal, mas inevitável para ambos. A crise em Portugal foi criada pela ganância desmesurada dos homens, aliada a uma grande dose de credulidade e ignorância. A crise japonesa foi criada pelos esbirros de Gaia, se quisermos empregar uma linguagem mais poética, mas também pelo uso descuidado duma tecnologia que é na melhor das hipóteses um pau de dois bicos.
O Super Terramoto de 2011 que atacou o Japão fez com que o Estado Japonês tivesse de confrontar o verdadeiro perigo de ter Centrais Nucleares numa zona geográfica de alto risco do ponto de vista da sismologia, como é aquela em que se encontra o seu país. O já existente movimento verde anti-nuclear ganhou momento com este terrível acontecimento e o desastre proveniente da destruição da Central Nuclear de Fukushima.
Onde antes me centrei nas lições aprendidas (vide os dois links abaixo) em termos de prevenção e preparação para este tipo de situações (sismos e tsunamis), venho agora nesta nova entrada abordar em profundidade o controverso tópico do nuclear e a questão energética que cada vez mais vai apoquentar as sociedades modernas, servindo-lhes também de travão evolutivo a nível tecnológico. É certo que cada vez nos tornamos mais dependentes de energia, pois tornámo-nos uma civilização altamente tecnológica. Contudo, o próximo nível de avanços científicos, hologramas, sabres de luz, motores iónicos, teletransporte, motores anti-gravidade, tudo depende essencialmente de quanta energia conseguimos gerar, logo essa quantidade de energia acaba por ser o nosso limite tecnológico!
Novas, Actualidades e Trabalho de Campo

Mega Sismo: Quanto o Infinito Encontra o Zero

Ora, dos meus outros posts, nota-se o meu óbvio interesse nestas áreas. A sismologia porque foi o sismo de Março de 2011 que comprovou os dados recolhidos pelo astúcia e visão governativa do Marquês de Pombal em 1755 e que até 2011 se julgavam exageros de uma sociedade retrógrada. Portanto, no que diz respeito à sismologia, vivemos uma altura interessante em Portugal, embora acho que no meio de tanta coisa em que pensar com a Crise e a Austeridade, isto passou completamente ao lado do povo. Supostamente, no último trimestre de 2013, vai entrar em funcionamento um sistema de alerta de Tsunami em Portugal. Se forem ao post que escrevia (acima “linkado”) intitulado “Mega Sismo: Quando o Infinito Encontra o Zero”, poderão perceber que muitas vidas podem ser salvas pela implementação de um tal sistema.
Vejamos se o sistema é implementado e se fica a funcionar em pleno, incluindo apps de telemóvel para que os cidadãos possam ser avisados no momento, tal como existe no Japão, hoje em dia.
Outra coisa que mais cedo ou mais tarde terá de nos preocupar é a preparação de edifícios antigos para um terramoto.
http://www.publico.pt/mundo/noticia/intervencao-antisismo-em-edificios-antigos-nao-e-tao-comum-como-isso-1493840

Com o estado actual da construção pública em Portugal e a falta de emprego, seria uma lufada de ar fresco para muitos, se o Governo cagar para os bancos, if you pardon my French, fechando-lhes as torneiras e antes investir nessas obras de interesse público, particularmente em zonas de muito risco, como o Algarve e a Baixa Lisboeta. Erguer muralhas defensivas também não fazia mal nenhum. Mas eu sei… eu sei… não há dinheiro (no futuro post na rubrica “Os Meus Versículos Satânicos”, para o qual ainda me digladio com um subtítulo, hei-de oferecer ideias e alternativas para superarmos a nossa Crise). Mas imaginem no que esse investimento poupará quando vier o tsunami e o sismo. Eles hão-de vir, descansem. Mas são como a Morte, inesperada e impiedosa! Mas não se iludam, pois é certo que a Construção (movida a capitais estatais), embora faça surgir emprego momentaneamente podendo aliviar o sofrimento e a fome (não poupemos palavras) de alguns, em termos de resolver crises económicas não é solução, uma vez que é um investimento que não é exportável, logo não aumenta a nossa produtividade, mas sim a despesa de estado e a dívida. Quero com isto dizer que só espero que as probabilidades estejam connosco e que o Tsunami só retorno a terras lusas muito após termos superado os nossos problemas socio-económicos.
Voltando à questão energética, Portugal nunca aderiu à tecnologia nuclear e com efeito um dos vários problemas que contribuem para a nossa falta de auto-suficiência nacional e, consequentemente, para a nossa actual crise económica, é a incapacidade de gerar internamente energia suficiente para as necessidades de todo o país, sendo portanto forçados a importá-la. Duma forma ou de outra, uma vez que importamos energia da Espanha e da França, também nós dependemos do nuclear. Por outro lado, somos um dos países da União Europeia que mais energia verde produz, através de barragens, painéis solares, geradores eólicos e de energia de ondas marítimas. Hey, não podíamos fechar a tabela em tudo. Contudo, essa energia representa cerca de 30% da energia total que precisamos actualmente no país. E é preciso reparar que actualmente Portugal tem muito pouca indústria, logo no futuro, se conseguirmos escapar à mediocridade da nossa classe política governante e realmente semearmos as bases para uma retoma económica em larga escala no país, emergiremos a necessitar de ainda mais energia. Just some food for thought…
Já o Japão tem uma longa e estranha, para não dizer infeliz, história com a tecnologia nuclear. Já antes abordei o tópico do único ataque nuclear alguma vez levado a cabo na História escrita da Humanidade, com as bombas de Nagasaki e Hiroshima, e todo o horror que daí surgiu, bem como certos traços subculturais, nos posts abaixo “linkados”:

Mas e o que aconteceu ao Japão depois desse trágico final da Segunda Guerra Mundial?
Bem, menos de uma década após o final dessa Guerra, em Agosto de 1945, o Japão já estava a executar planos para poder gerar energia eléctrica através de uma central nuclear, para satisfazer as suas crescentes necessidades eléctricas. Uma campanha de propaganda muito inteligente, que usou a combinação do desejo dos japoneses por uma vida melhor e o medo de perder esse futuro brilhante devido a falta de electricidade, fez com que a opinião pública esquecesse ou pusesse de parte o terror das bombas nucleares. O Japão, localizado numa das zonas mais instáveis a nível sísmico do planeta, tornou-se na plenitude dos tempos numa país com 50 centrais nucleares e o terceiro maior produtor eléctrico a nível mundial. Ora, se eu fosse Jung falaria do Sincronismo necessário para que tal se tenha passado.
A estrada para o Japão nuclear que conhecemos é uma de esforços secretos durante a guerra por parte de cientistas nucleares japoneses, de um nacionalista de direita que dominou a política japonesa durante quase 50 anos, de um magnata dos media que trabalhava com a CIA, de um espalhafatoso piloto com jeito para a auto-promoção, do mais popular e corrupto primeiro-ministro japonês pós-guerra, e dum colectivo de orgulho desmesurado que ficaria conhecido como a aldeia de energia eléctrica.
Em 1945, a bordo do USS Missouri na Baía de Tóquio, foi assinado o acordo que deu por terminada a guerra, passando o controlo do Japão para a Ocupação Norte-Americana, que procurou refazer o Japão à imagem dos E.U.A., ou o mais próximo disso possível, no intuito de impedir uma nova guerra catastrófica. Os gestores americanos que foram para o Japão administrar a Ocupação, da escola do New Deal de Franklin Roosevelt, vinham cheios de optimismo e de uma ingenuidade popularizada anos mais tarde por Graham Greene, no romance “The Quiet American” (que hoje em dia já conta com pelo menos uma adaptação cinematográfica). Ainda assim, de boas intenções está o inferno cheio, e foram essas alegadas boas intenções que chegaram aos jornais e revistas norte-americanos, enquanto que a verdadeira história da Ocupação é uma bem mais sórdida e que permaneceu durante muitos anos secreta. Esta, trazida à luz do dia, destrói a cuidadosamente guionizada versão oficial da transição pacífica do Japão para uma nação democrática.
Nenhum segredo terá dado mais causa de reflexão à América que o facto do programa atómico japonês durante a guerra estar bem mais avançado que alguém pudesse conceber em Whashington D.C. Apenas semanas após a rendição é que foi descoberto que cientistas japoneses em Tóquio, Quioto, e na Coreia ocupada pelo Japão, tinham estado a trabalhar para chegar à Bomba. À medida que os anos ‘40 deram lugar aos anos ‘50, e a Guerra Fria começou, muitos dos japoneses presos como criminosos de guerra, deram por si a serem libertados, para se tornarem em aliados de Whashington contra o Comunismo. A necessidade de os EUA de terem um aliado no Oriente contra a então já nuclear União Soviética e uma China Comunista, intersectou o antigo sonho do Japão para ter uma fonte de energia segura, limpa e estável. O momento da energia nuclear no Japão havia chegado.
Em 1953, com a guerra da Coreia a terminar numas tréguas instáveis, Yasuhiro Nakasone, um nacionalista japonês em ascensão, foi convidado a estudar na universidade de Harvard. Ao frequentar essa universidade, conheceu um ambicioso académico de Harvard: Henry Kissinger.

Quero só acrescentar antes de prosseguir que Kissinger nunca se atreveu a processar Hitchens pelo livro que o acusa de ser um mentiroso, um criminoso de guerra, presumidamente porque para isso teria de o enfrentar em tribunal. Aliás, o Hitchens ainda o processou ou tal ameaçou via advogados por todos os insultos que Kissinger lhe fez. Mas os advogados de Kissinger acabaram por emitir um comunicado em que pediam desculpa a Christopher Hitchens pelos insultos prestados. Kissinger é vil, mais que maquiavélico, um doido por poder em toda a acepção da expressão. Infelizmente este livro não se encontra traduzido para Português e eu também não disponho do tempo para traduzir os vídeos ou o resumo. Contudo, deixo-vos 6 pequenos vídeos, retirados de outros mais longos vídeos de palestras e entrevistas do Hitch sobre a sua batalha com Kissinger, só para terem uma breve noção do que esta foi. Estes foram traduzidos por mim. De seguida continuo a explanação histórica.


Kissinger contou ao jovem Nakasone, que viria a tornar-se primeiro-ministro três décadas mais tarde, um segredo. Muito em breve, os EUA iriam partilhar o seu conhecimento nuclear com países interessados não em fazer bombas, mas sim em criar centrais nucleares. Em Dezembro de 1953, o presidente Eisenhower anunciou a sua iniciativa “Átomos pela Paz”. Nakasone tinha já avisado os seus amigos no Japão, incluindo cientistas do antigo programa nuclear japonês, que muito em breve teriam acesso a tecnologia nuclear norte-americana para construir reactores nucleares. Mas havia um obstáculo. A população japonesa ainda não esquecera que “nuclear” queria dizer, antes de mais nada, a devastação de Hiroshima e Nagasaki. O que Nakasone e companhia precisavam então era de uma mente que pensasse como eles nos Media, que trabalhasse afincadamente para veicular a mensagem deles. Eis que surge Matsutaro Shoriki. Aprisionado como um criminoso de guerra classe A mas libertado antes de ser julgado, Shoriki era uma figura imponente que dirigia o jornal Yomiuri  Shimbun (que com a circulação reportada de 10 milhões de cópias por dia, afirma ser o maior jornal do mundo). Por 1954, as suas raivosas visões anti-comunistas eram projectadas não só no Yomiuri como na Nippon TV, uma das primeiras estações televisivas japonesas, que ele também dirigia. Como o jornalista freelancer Tetsuo Arima detalha no seu livro “Genpatsu, Shoriki, CIA” (Energia Nuclear, Shoriki, CIA), Shoriki era também um amigo da CIA e um ardente defensor do nuclear. Com a ajuda de Nakasone, Shoriki usou o seu jornal como um organismo virtual de relações públicas para a energia nuclear. A manchete do Yomiuri no dia de Ano Novo de 1954 era “Finalmente o Sol foi Capturado”. Era o primeiro de muitos artigos a argumentar o abraçar desta nova forma de energia e o começo de uma longa e entusiástica campanha daquele jornal que, de uma forma menos berrante, continua até aos dias de hoje.
Contudo, mesmo quando este pequeno mas influente lobby composto por Nakasone e Shoriki, com o seu altifalante Yomiuri, começava a ganhar momento, a tragédia atacou. A 1 de Março de 1954, 23 pescadores japoneses, a bordo do seu barco o Daigo Fukuryu Maru (tradução: Dragão Sortudo Cinco), foram expostos a precipitação ou poeiras radioactivas provenientes duma explosão nuclear levada a cabo pelos americanos no Atol Bikini. Ainda assim, dias depois e embrulhado em segredo, o parlamento do Japão (sob orientação de Nakasone) aprovou o primeiro orçamento destinado à pesquisa nuclear, um orçamento de 235 milhões de yen. O primeiro passo para as centrais nucleares fora tomado.
Sem se deixar demover pela preocupação do público sobre o caso do Daigo Fukuryu Maru, O jornal Yomiuri continuou a sua campanha de propaganda. Shoriki ajudou a patrocinar uma exibição em Tóquio no ano de 1955, que apresentava as maravilhas do poder nuclear, e, por esta altura, uma das personalidade mais mediáticas do Japão juntou-se ao lado Pró-Nuclear.
Zensaku Azuma era conhecido pelo público japonês como um espalhafatoso piloto que voo sozinho sobre a Europa, os Estados Unidos e a Ásia em 1930. Em meados dos anos ‘50, ele era uma bem conhecida celebridade que se sentia intrigada pela energia nuclear. Em 1955, ele encontrou depósitos de Urânio na fronteira entre as prefeituras de Okinawa e Tottori. Ele andou em digressão pelo Japão a comer comida carregada de Urânio antes de morrer de cancro 10 anos depois, aos 74. (provavelmente, se não fosse parvo teria chegado aos 100 :). Contudo, após a descoberta de que o Japão tinha depósitos nacionais de Urânio, o país ganhou uma febre por Urânio. As pessoas compravam contadores Geiger e escavavam os quintais em busca do minério. Quintas anunciavam que vegetais nascidos em campos que tivessem traços de urânio eram melhores para a saúde. Uma mulher da prefeitura de Gifu, vendia vinho de arroz japonês com traços de urânio. Mas como todas as modas, esta depressa acabou por esmorecer e desaparecer (para bem dos japoneses e da sua saúde diria eu).
Contudo, pela altura em que a maluqueira pelo urânio desapareceu, Shoriki já tinha sido nomeado, em 1956, para a primeira Comissão Japonesa de Energia Atómica, independentemente de ele não ter quaisquer conhecimentos de física nuclear (hein?, é igual em todo o mundo… a merda rola monte a cima na puta da política!). De qualquer forma, a aceitação pelo público japonês da energia atómica enquanto fonte energética pacífica estava a espalhar-se. Contudo, o governo tinha outros obstáculos à construção das centrais nucleares, um dos quais podia levar o país à bancarrota!
Em 1960, o Fórum Industrial Atómico Japonês, um lobby industrial, foi secretamente comissionado pela Agência da Ciência e Tecnologia para desenvolver uma estimativa do custo, baseada numa pergunta a qual não se queria dar a conhecer ao público: “Quanto teria a administração japonesa de pagar em compensações face a queixas derivadas a acidentes nucleares?” (eu não vos digo? Merda é merda em todo o lado, só eventualmente muda a cor. E antes que me chamem racista, refiro-me a cores político partidárias, ok? ) O Fórum apresentou uma série de cenários possíveis, mas no pior dos casos o governo teria de pagar 3.7 triliões de yen em compensações. Isto numa altura em que o orçamento nacional japonês era de 1.7 triliões de yen!
O governo escondeu o relatório durante 40 anos, até este vir à luz em 1999 (Estranhamente, este foi o ano em que estreou o The Matrix. Espero não precisar de explicar a gigantesca metáfora sócio-política que esse filme é). Mas o Fórum foi claramente a razão que levou o governo passar em 1960, o decreto-lei sobre Compensação para Danos Nucleares, que isentava os operadores de centrais nucleares do pagamento de compensações “no caso do dano ser causado por uma catástrofe natural de carácter excepcional”. Com isso, um dos últimos obstáculos à construção de centrais nucleares havia sido superado. Esta lei viria a permanecer mera teoria até o desastre de Fukushima em Março de 2011 forçar o governo e o público a tomar consciência das suas reais ramificações.
O primeiro reactor nuclear japonês foi construído perto de Tóquio em 1961 e entrou em operação apenas 5 anos mais tarde em 1966. Mas a verdadeira alvorada da era nuclear no Japão, surgiria a 14 de Março de 1970, na abertura da Expo de Osaka. Nesse dia, os visitantes eram recebidos com sinais que proclamavam orgulhosamente que a central Nª1 de Tsugura, na perfeitura de Fukui estava a auxiliar a fornecer energia para a Expo.
A Expo de Osaka tomou lugar mesmo quando as questões ambientais estavam a ganhar proeminência. Respondendo aos horrores de envenenamento por mercúrio em Minamata e a tenebrosa realidade da poluição do ar derivada do boom económico (como tem vindo recentemente a acontecer no Brasil, na China e na Índia) dos anos ‘60, combinado com a crescente tomada de consciência de que a energia nuclear nasceu das armas nucleares, nasceu um movimento político Anti-nuclear poderoso e vocalizado. Ao mesmo tempo, a política do Governo era construir centrais nucleares próximas de pequenas vilas, que tinham o direito democrático de as rejeitar se assim quisessem. Para o governo, tornou-se uma alta prioridade garantir que tal não acontecesse, especialmente depois de o processo legal movido em Ikata (prefeitura de Ehime) contra uma proposta central ter dado o tiro de aviso. Mas o que fazer? Felizmente para o lobby pró-nuclear o primeiro-ministro da altura tinha um plano.
Kahuei Tanaka elevou-se de origens humildes na longínqua prefeitura de Niigata, na zona costeira do Japão, para se tornar no mais popular e controverso primeiro-ministro Japonês. Nos anos 1970, ele governou o país como poucos fizeram desde essa altura, primariamente porque assegurou que as províncias japonesas, extremamente subdesenvolvidas, receberam pelo menos alguma parte da riqueza nacional.
Reconhecendo que o que muitas das vilas piscatórias da costa japonesa precisavam, e queriam, eram projectos de obras públicas, Tanaka fez aprovar 3 leis em 1974 garantindo fundos de Tóquio aos governos locais caso estes concordassem em hospedar uma centrar nuclear na sua zona. Durante as décadas que se seguiram, as prefeituras de Ishikawa, Fukui, Shimane, e, claro está, a própria terra de Tanaka, Niigata, entre outras, abriram as portas a centrais nucleares em troca de dinheiro para construir estradas, pontes, centros comunitários, estações de comboio, e sistemas de esgotos modernos. E assim que a central nuclear estava construída, havia mais dinheiro a ser ganho localmente, trabalhando partime na central nuclear durante os períodos de inspecção, ou a providenciar comida, abrigo e transporte às hordas visitantes de técnicos especializados e agentes governamentais.
Contudo, nem toda a gente estava convencida de que o nuclear era a solução. Em 1975, o Centro de Informação Nuclear dos Cidadãos foi fundado pelo professor de Química Jinzaburo Takagi, como uma forma para educar o povo sobe aquele tópico. Ambos o acidente de Three Mile Island(1979) e de Chernobyl (1986) fizeram com que subitamente um grande número de japoneses compreendesse que a energia nuclear não era assim tão segura como lhes havia sido publicitado.
Isto levou ao rebentar de um esforço por parte dos cidadãos para afastar o Japão do caminho do nuclear. Em 1988, reuniram 3.6 milhões de assinaturas que apoiava uma nova lei para fechar todas as centrais nucleares. Mas o governo Japonês, sobretudo Yasuhiro Nakasone, ignorou a campanha, tal como fez o partido do governo de então, o Partido Liberal Democrático(Lá liberal até pode ser, deu-se à liberdade de os ignorar, já democrático… eh! Afinal, não houve um único fascista que não se dissesse amante da liberdade. “Palavras são vento”, diz-nos George R R Martin). Entretanto, foi dito ao povo que havia poucas opções (a história é sempre a mesma). As energias renováveis diziam-se ser ainda demasiado dispendiosas e de pouca confiança (um argumento ainda usado nos dias de hoje pelo lobby pró nuclear), enquanto medos de outra crise de petróleo como a de 1973 permitiu que o lobby pró nuclear argumentasse contra uma mudança de energia nuclear para energia baseada no petróleo, dizendo ser uma má ideia (realmente, venha o diabo e escolha. Se bem que a do petróleo acaba por ser menos problemática em termos de segurança).
Outros esforços para libertar o Japão do Poder Nuclear, foram desenvolvidos ao longo dos anos ’90. Por essa altura, décadas de energia nuclear haviam criado um vício a essa forma de energia nas cidades que consumiam electricidade por ela providenciada (a custos baixos, era dito ao povo), e também nas vilas, onde as centrais nucleares se haviam tornado nas galinhas dos ovos de ouro locais e lhes providenciavam as mesmas, se não melhores, infra-estruturas e transportes que os dos primos das cidades.
Sinais de perigo, tais como uma fuga de sódio em 1995, um fogo no reactor de plutónio no monte Monju, foram ignorados, tal como o foi um acidente na central de Tokai-mura, perto de Tóquio, em 1999, que matou 2 trabalhadores e expôs medidas de segurança defeituosas. Seguiram-se outros incidentes: em Agosto de 2004, a tragédia surgiu quando uma tubagem de vapor corroída, que nunca fora inspeccionada em 28 anos de utilização, explodiu matando quatro trabalhadores; no início de 2007, foi revelado que a Companhia de Energia Eléctrica de Tóquio (TEPCO, sigla em inglês) falsificara dados de segurança nas suas centrais nucleares em cerca de 200 inconformidades. Nesse verão, a central Kashiwazaki-Kariwa, em Niigata, da TEPCO foi danificada após um terramoto de magnitude 6.6, com epicentro a 19 quilómetros de distância. Não houve fatalidades, mas a TEPCO admitiu que 3 dos 7 reactores abanaram a ritmos muito acima dos valores especificados em projecto.
Ainda assim, a TEPCO e a aldeia nuclear negaram a possibilidade de um incidente de grande porte. Ao invés, concluíram que o terramoto de 2007 provara que as centrais eléctricas japonesas eram de facto à prova de sismo e de que a tecnologia japonesa de energia nuclear e a sua gestão era a melhor do mundo.
A História, estavam eles confiantes, havia comprovado que a decisão tomado nos anos ’50, para abraçar a energia nuclear fora a correcta, para uma nação pobre em combustíveis fosseis como o Japão. A TEPCO afirmou, após o susto trémulo de 2007, que eventualmente as centrais de Kashiwazaki-Kariwa iriam ser tornadas ainda mais seguras face a tremores de terra. Assim como também aconteceria com 4 reactores que operavam numa prefeitura chamada Fukushima. Mas entretanto, a aldeia nuclear do Japão assegurava com confiança a nação e o Mundo de que nada havia com que se preocupar.
Coloquei esta perspectiva histórica em itálico pois foi praticamente toda traduzida de um documento, cujo pdf debate a questão do nuclear no Japão:
Fresh Currents
Quanto a Fukushima, quando vi o documentário Children of the Tsunami, que muito me impressionou, tanto pela positiva como pela negativa (e sobre o qual é provável que venha a fazer uma crítica alongada e análise aprofundada num futuro post), onde as crianças viviam em zonas radioactivas, em que os pais estão constantemente a medir os níveis de radiação para as deixar brincar na rua, fiquei de imediato com a impressão de que nada de bom ia sair daquilo. O próprio governo parece estar a usá-las como os proverbiais ou históricos “canários na mina de cobre”. Posso estar a ser injusto, mas foi a impressão com que fiquei e então permaneci atento às notícias. Eis as manchetes (links) que vieram a confirmar o meu medo:



Ora, a evolução genética da Borboleta há-de ser mais rápida que a do homem, são criaturas efémeras, vidas inteiras em apenas 24 horas nalgumas espécies, logo é normal que evoluam de acordo com o seu ambiente mais rapidamente, daí já estarem a mutar. Uma criança humana poderá demorar muito tempo até demonstrar problemas ou deformações geradas pela radioactividade a que é exposta. Pode até só saber de que há algum problema, quando o seu primeiro filho nascer com alguma deficiência genética ou quando descobrir que afinal é estéril pela radiação ter deformado o seu aparelho reprodutivo. Por isso, é de loucos deixar aquele pessoal continuar a viver naquela zona, pelo menos até a descontaminarem minimamente, o que pode levar muitos anos.
Agora, retornando à questão energética. A catástrofe social, não menor que a natural que a causou, que se abateu sobre Fukushima, empurrou uma bola de neve de médio tamanho pela montanha abaixo e criou uma avalanche de sentimento anti-nuclear.


Ora, que tenho eu a dizer sobre isto?
Bem, primeiro sejamos historicamente justos. Embora deteste como a energia nuclear foi “vendida” ao povo japonês, mediante propaganda e lobbies, não posso ter a certeza, mas duvido com grande convicção de que o Japão se tivesse tornado na quarta economia mundial hoje em dia sem ter tido a sua era atómica como teve. A independência energética é essencial para gerar um país tecnologicamente avançado e rico.
Dito isto, eu nunca fui defensor das centrais nucleares. Para além de criarem lixos radioactivos, dos quais muitos barris acabam no fundo dos nossos oceanos ou em aterros secretos e nada seguros, que podem ser geradores de toda uma quantidade de problemas no nosso futuro enquanto Humanidade, considero-as demasiado perigosas no presente. É claro que o risco pode ser diminuído consideravelmente através de correctas medidas de segurança, da contínua execução de vistorias e fiscalizações sérias e independentes, de uma contínua actualização da tecnologia de segurança utilizada, e particularmente dos locais onde são construídas. Ora, o caso geográfico do Japão é terrivelmente mau para albergar centrais nucleares, como de resto já se pôde ver, graças ao terramoto.
Tendo em conta o quanto o nuclear caiu em desfavor na opinião pública japonesa, ou o quanto parecem a sociedade e mesmo algum do tecido empresarial japonês estarem ansiosos por uma evolução para as energias renováveis e limpas, eu diria que a melhor opção para o Japão é começar uma substituição gradual das suas fontes energéticas. E óbvio que não pode ser drástico, pois há que garantir a economia japonesa, bem como as necessidades energéticas do povo japonês. Mas podem ir substituindo gradualmente as centrais mais antigas e/ou em zonas de maior risco sísmico.
Estranhamente, Portugal e Japão, mais uma vez poderiam ajudar-se mutuamente. Portugal precisa drasticamente de aumentar a sua produtividade. Nada tem a ver com trabalharmos mais, não somos mandriões como os idiotas dos nossos governantes (e não a Troika) parecem pelas suas atitudes achar, mas sim em conseguirmos produzir bem valiosos para os mercados externos que façam entrar investimento e lucros no país mediante exportações. Ora, nós somos o país europeu com mais produção energética via energias renováveis, temos projectos e/ou parcerias pioneiras de sistemas que aproveitam as ondas do mar (algo que o Japão também tem em abundância) e também em geradores eólicos.




Seria óptimo para os nossos estaleiros e mesmo para novas empresas que desse novo nicho de mercado surgissem, que conseguíssemos ajudar os nossos amigos de há muito no seu processo de adaptação energética, ao mesmo tempo que nos tornávamos mais produtivos. Este seria um excelente sentido a dar à nossa política externa e política de economia interna, sendo que talvez pudéssemos também servir de mediadores na rixa das ilhas Senkaku, dadas as nossas amizades tanto com o Japão como com a China. Uma guerra daí proveniente não favorece nada nem Portugal nem o Mundo. Ainda assim, creio estar a sonhar alto, considerando o actual Ministro de Negócios Estrangeiros português.
Mas disso (das ilhas Senkaku) falarei no próximo post, pois como sempre já me alonguei demasiado por hora...

Sayonara, tomodachi! ;)