segunda-feira, 23 de junho de 2014

Kaze Tachinu

Alegadamente, este será o último filme de Miyazaki, ou pelo menos este último voltou a anunciar, pela sexta vez, que se vai retirar do Cinema. Sendo sincero, e querendo primeiro “limpar a garganta” disso, devo alertar que, embora eu seja um admirador de Anime, não sou grande seguidor deste realizador. Particularmente, porque tenho a impressão que os filmes dele são muito feitos para crianças, enquanto que o que me atraiu para o Anime é que uma grande porção deste género é especificamente feita para adultos… e não, não me estou a referir apenas ao Hentai, seus tarado(a)s! Afinal, o Anime explora o fantástico, a ficção científica, mitologias e futurismos, de uma forma muito interessante, mas recorrendo às liberdades próprias da animação.
Contudo, este filme achei-o mais na tradição do Anime que eu admiro que na habitual fantasia “infantil-amigável”, quasi-paternalista do Miyazaki. Já o “Howl’s Moving Castle” deixava de lado o paternalismo e também com uma mensagem anti-guerra, verdade seja dita, embora ainda numa onda de absoluta fantasia. Mas este filme pretende ser mais realista, mais historicamente correcto e mais directo.
Acompanhamos a vida de um rapaz, o Hiro, que sonha com fazer aviões e cresce para se tornar num brilhante e dedicado engenheiro aeroespacial. Mas ele começa a sua actividade de escolha pela altura em que o Eixo do Mal original se está a formar, a aliança entre a Itália de Mussolini, a Alemanha de Hitler e o Japão de Hirohito, levando-o a exercer tendo em conta que irá fazer aviões para serem usados na guerra.
O filme é uma biografia ficcionalizada de Jiro Horikishi (1903-1982), o engenheiro responsável pelo Mitsubishi AM5 e o seu sucessor o Mitsubishi AM6 Zero, aviões que vieram a ser usados pelo Japão na II Guerra Mundial. O enredo é adaptado duma Manga homónima, escrita pelo realizador, que foi por sua vez ligeiramente inspirada num conto curto de 1937, escrito por Tatsuo Hori, e chamada "O Vento Elevou-se".
Ao longo do filme, encontramos um Japão inundado de pobreza, procurando desesperadamente “apanhar na curva” o então “mundo industrializado”, aspirando assim melhorar a sua riqueza interna e nível de vida. Uma lembrança interessante de que a austeridade normalmente precede a guerra. O filme lida então com questões morais, no sentido de que os que sonham em fazer belas máquinas voadoras têm de enfrentar o terrível facto de que elas irão primeiro ser usadas para o Mal. A certa altura, uma das personagens, um dos engenheiros, afirma que prefere “viver num mundo com Pirâmides”. É uma afirmação subtil mas que dá um enorme reforço a essa discussão moral que decorre no filme, uma vez que as pirâmides embora belas e um incrível testemunho do engenho e capacidade humanas, foram feitas com uso de trabalho escravo, por uma sociedade teocrática e totalitária. Ainda assim, sendo eu contra (e falo agora por mim) quaisquer tipos de escravatura e ditadura, também eu não gostaria de viver num mundo sem pirâmides e sempre que as vejo ser destruídas num filme, sinto-me enormemente triste. Continuando a falar de mim, e sendo que já fiz parte duma equipa que criou um protótipooriginal de avião telecomandado em miniatura, devo dizer que sei bem a alegriade vermos algo que nós ajudámos a conceber, construir e para o qual dedicámostempo e trabalho, voar é enorme e indescritível.
Este tipo de ideias assim subtilmente dando corpo e substância ao filme, a alusão à II Grande Guerra sem a abordar directamente, adicionadas a umas quantas de personagens que não sendo pró-guerra se vêm forçadas a dela participarem por força dos seus líderes, é uma óptima maneira de quase subliminarmente avisar as crianças para os perigos dos desejos de aumentar a nossa riqueza pela agressão para com os nossos vizinhos. O filme continua a ter fantasia, mas esta passa-se nos sonhos da personagem principal, encorajando o espectador a sonhar. Dessa perspectiva, eu tenho para comigo que este filme é possivelmente o melhor filme por Miyazaki, não só realizador mas também guionista, porque finalmente fala para as crianças não como crianças, mas como se elas já fossem adultas. Para mim essa é a maneira certa de falarmos como crianças e afirmo isto porque, já tendo sido crianças, bem sei o quanto odiava paternalismos das pessoas e desenhos animados fofinhos e desprovidos de qualquer maldade ou subtilezas realistas como, por exemplo, os Teletubies. Assim sendo, espero que este sexto anúncio de reforma não seja mais que o antecessor do sétimo e que o senhor Miyazaki continue a evoluir e a fazer belos filmes de anime. Porque independentemente da história, todos eles são belos.
Preciso ainda de dizer que achei, particularmente no início e pontualmente ao longo da obra, o filme parado, mas ganha bom ritmo à medida que passa do meio da sua duração e se aproxima do final. Gostei muito da história romântica que surge na segunda parte e que é toda ela trágica e adulta. Adorei as personagens, que estranhamente, à excepção de membros das polícias políticas dos regimes em questão, são todas boas pessoas, sendo a personagem principal um autêntico herói da vida quotidiana. Isto é, uma pessoa que está sempre no seu auge moral e trata os outros com todo o valor, independentemente do seu status social ou proveniência.
O Japão é também espectacularmente bem retratado, mais uma vez os tremores de terra são uma constante do sofrimento nipónico, e a cena do tremor de terra achei-a soberba.
Numa última nota, eu vi a versão dobrada em inglês e reconheci até Lars Von Trier a interpretar um alemão não nazi e que anda de facto a fugir da Gestapo, que é uma ironia deliciosa considerando toda aquela sua última controvérsia em Cannes, ainda não há muito tempo. Não reconheci a voz de Joseph Gordon-Levitt, muito para crédito deste último. Os desenhos animados, anime ou não, são das poucas coisas em que eu tolero a dobragem como substituto da legendagem, embora nem aí goste muito, por muito que perceba a questão económica. Há muito actor a precisar de emprego e esta é uma boa maneira de ganhar algum. É, para mim, a única boa justificação. É que eu aprendi inglês de forma nativa por ser criança num tempo em que nem os desenhos animados eram dobrados. E não fui o único e acho que é uma vantagem linguística que essa cultura da legenda traz aos portugueses e que deve ser defendida, embora não de forma fanática ou intolerante. Dito isto, o título em Português é uma tristeza... "As Asas do Vento"... é que não tem nada a ver com o título em Japonês e além disso é simplesmente patético. "O Vento Eleva-se" ou "O Vento Ergue-se" serviriam perfeitamente.
Em suma, um filme perfeito para os pais verem com os filhos e começarem desde pequeninos, quando se começa a torcer o pepino como diz o povo, a aprenderem sobre algumas das maiores asneiras da Humanidade, com as consequências das quais ainda vivemos, a ver se de futuro não cometemos os mesmos erros. É importante notar que este filmeestreou numa altura em que o Japão luta consigo mesmo para manter o artigo 9 dasua Constituição que impede formalmente o país de declarar guerra a outrospaíses, algo que eu já aqui abordei num post para o qual chamo novamente avossa atenção.


Como Post Scriptum e em jeitos de despedida, deixo-vos umas dicas de actividades para o futuro próximo.
Uma produção de Sandra Fanha, com realização de José Barahona, dia 27 de Junho no MU.SA (MUSEU DAS ARTES DE SINTRA), estreia "Vianna da Mota", numa projecção ao ar Livre (mais informações abaixo).




A Estação Espacial Internacional (ou ISS na sua sigla inglesa), uma adolescente de 15 anos feitos no ano passado, tem agora 4 "olhos" com os quais observa a Terra, sua avó/nossa mãe se quisermos personificar a coisa, numa experiência para escolher a marca e modelo de câmaras a usar de futuro nas suas operações. A NASA está a fazer live feed (ou seja a transmitir imagens em directo) na internet provenientes dessas câmaras, embora só se consiga ver quando a ISS está no lado diurno da sua rotação. (link aqui) Dura até Outubro.
Sayonara, tomodachi! ;)

quinta-feira, 19 de junho de 2014

GOJIRA

Recordar-se-ão os leitores assíduos aqui do Samurai que eu fiz em temos um post sobre as origens do Godzilla intitulado Hibakusha II: O Rei dos Daikaiju.
Desta volta, vou apenas limitar-me a fazer uma crítica de cinema relativa ao novo filme do Rei dos Daikaiju.
O filme chega-nos pela visão e direcção de Gareth Edwards, realizador que fez o filme “Monsters” que estreou em 2010 e captou a atenção dos cinéfilos de todo o mundo pois foi o primeiro a conseguir efectivamente criar no seu quarto todos os efeitos especiais digitais do filme, mas com a qualidade ao nível de Hollywood. Para aqueles de vocês que sejam fluentes em inglês sugiro-vos a entrevista que o Dr Mark Kermode fez ao então jovem realizador exactamente devido a esse feito, que vos deixo aqui linkada.
O novo “Godzilla” tem muito do carácter do filme de estreia do realizador, por isso é bastante interessante ver os dois filmes de seguida e por ordem de data de estreia. Ambos os filmes procuram centrar-se em personagens humanas, através das quais experimentamos uma Terra onde monstros enormes e poderosos existem abertamente e causam problemas aos humanos. Mas enquanto em “Monsters”, o filme não evolui dessa dinâmica, em “Godzilla” o próprio monstro torna-se uma personagem, pela qual começamos a torcer, e como que se torna mais importante que os humanos que temos anteriormente andado a seguir durante o filme. Considerando o título do filme, não só foi uma boa jogada, como era a única jogada de sucesso.
Uma outra coisa interessante em “Godzilla”, e que também o diferencia em “Monsters”, é o facto dos humanos surgirem literalmente como se fossem colónias de formigas desesperadamente a fugirem dum luta de dois humanos sobre a sua metrópole. É que neste filme os humanos nada podem contra os monstros, tal como as formigas nada podem contra humanos.
É notório nos bonecos relativos aos dois últimos filmes do Godzilla essa diferença. Na primeira adaptação americana, os bonecos que sairam eram tipo GI Joe, com os homens tão importantes ou mais que o Godzilla (figura à direita). Nesta última versão, os monstros é que interessam e os humanos estão lá como se fossem cenário (figura à esquerda).
Como não podia deixar de ser num reboot (recomeçar) da frandchise, que já agora já tem confirmada uma sequela com o mesmo realizador ao leme, a história procura reintroduzir o Godzilla e, portanto, é uma história de origem. Assim a origem do rei dos monstros é recontada. Acaba por não se distanciar muito do original, mas ao invés de ser um produto da radiação de bombas nucleares sobre animais, acaba por ter uma inclinação ecológica e dizer que estes monstros precederam os dinossauros e viviam num era onde a radiação à superfície terrestre era muito mais elevada. Assim, quando os americanos começaram a mandar bombas e muitos países a fazerem reactores nucleares, os sobreviventes ou descendentes dessas raças acordam de hibernação. Essa premissa, algo que defeituosa devido à escala de tempos envolvida, já foi antes usada para explicar os dragões em “Reign of Fire”, o meu filme favorito com dragões, mas depois encaixa bem numa explicação de cadeia alimentar que completa o sentido lógico da história.
A ideia de que há uma conspiração em que os governos estão a esconder algo das populações que dizem servir e toda a paranóia que acompanha essas ideias, talvez não tão descabidas quanto isso como a realidade nos mostra(refiro-me, por exemplo, ao programa de espionagem norte-americano), é muito bem instrumentalizada para dar corpo ao início do filme. Isso e uma certa consciência do horror do desastre natural de Fukushima e de como as uzinas nucleares quando destroçadas pela Natureza podem, literalmente, envenenar a Terra. Simplesmente, em vez de movimentos da crosta terrestre, o que causa a destruição são as alimárias pré-pré-históricas que dão mote ao filme. Mas o governo local ter de evacuar as pessoas de uma zona radioactiva, deixando vidas inteiras para trás, casas desprovidas de vida, mas cheias de memórias, completamente mobiladas, cidades inteiras tornadas urbes fantasmas, tudo isso surge abertamente reforçando a credibilidade do filme, recordando os terríveis acontecimentos do passado muito recente.
A única coisa que me chateou no filme, ou que achei idiota, foi os militares continuarem a armar-se com metralhadoras e pistolas quando já sabiam o que enfrentavam e que nem bombas nucleares os matavam. Algo que estúpido. Os militares não têm a tendência de carregar armas desnecessárias.
Também achei desnecessário a ida para São Francisco. Aquela ponte já foi mais vezes destruída nos filmes que o cagar da ameixa, passo a expressão, e não era necessário americanizar mais ainda o filme.
Quanto ao boneco, o Godzilla está engraçado, uma mistura de gorila e dragão de Komodo. Embora eu não me junte nem ao grupo que odiou a versão anterior do Godzilla, a que os japoneses chamaram só Zilla porque acharam-no muito pequeno ahaha, nem ao grupo que achou este Godzilla gordo (parece que assim aconteceu entre espectadores nipónicos… nunca estão satisfeitos ahaha), não desgostei desta nova encarnação e o CGI está bem feito e não temos a sensação de falta de peso no boneco, tal como ela não havia no filme do Guillermo Del Toro “Pacific Rim” (ler a minha crítica a esse filme aqui) com os seus kaijus e robots gigantes (criticado por mim aqui). E isso e o sentido de escala é o essencial nestes filmes.
Gostei da banda sonora e do tom negro e mais sério do filme, que contrasta com a versão americana anterior. Os actores estão todos de parabéns, sem que haja nenhum que sobressaía durante o filme, excepto talvez o próprio Godzilla. A cena da qual se vê um pouco no trailer do salto HALO é magnífica num grande ecrã.
Resumindo, é um óptimo filme, próprio para qualquer idade e que merece o grande ecrã. Eu vi em 2D e IMAX. Não me parece que o 3D lá contribua nada, para além da eventual coisa pontiaguda a sair do ecrã, mas como não vi em 3D não afirmo, só suspeito. Aguardo com altas expectativas (o que nunca é bom) a continuação.
De salientar, numa outra nota, que o Godzilla tem agora um planeta com o seu nome!
E, para os mais nerds de nós, eis também uma curiosidade, da qual o mérito não é meu, sobre quando estreou o primeiro filme do Godzilla, o original japonês, em Portugal, ainda nos dias do Estado Novo e com um título idiota:
Se tiver tempo e pachorra, traduzirei aquele vídeo da entrevista do Kermode ao Edwards e depois linko-o aqui também!
Para lá do filme e como já não venho cá há demasiado tempo, deixo-vos aqui também umas actividades para este fim-de-semana e para o resto do mês:
-. esta sexta e este sábado, 20 e 21 respectivamente de Junho, a iniciativa 24 Horas, no Pavilhão do Conhecimento. Notem que o site está sem Acordo Ortográfico... yeah!! :D
- sábado, dia 21 de Junho, a partir das 16h, no Jardim do Japão em Belém, para lá da Torre de Belém, à beira Tejo e ao lado do CCB, a Festa do Japão terá novamente lugar:
-  uma oportunidade para os que tiverem condições para isso, até dia 25 de Junho ainda se podem inscrever nas bolsas para estudar no Japão. Toda a informação no link abaixo:
- por último, uma produção de Sandra Fanha, com realização de José Barahona, dia 27 de Junho no MU.SA (MUSEU DAS ARTES DE SINTRA), estreia "Vianna da Mota", numa projecção ao ar Livre (mais informações abaixo). "Um músico prodígio nascido no século XIX...":
E por hora me despeço, senhoras e senhores, irmãos e irmãs, camadaras e amigos, que amanhã tenho um dia inteiro de despedida de solteiro do meu melhor amigo, do qual tenho também a honra de ser padrinho de casamento. E para isso, com'é lógic' (grande Jorge Jesus!!), não vos convido.
Sayonara, tomodachi! ;)