terça-feira, 6 de outubro de 2015

Atentemos ao Prólogo, ao eco de Abril

Eu disse no meu Facebook, na segunda semana de campanha, que “a bola está com o povo” e não errei. O povo português castigou os PaF, que mesmo assim tentaram disso fazer uma vitória. O povo português fortaleceu a CDU e o BE, não dando a maioria ao PS, forçando este último a, se quiser governar liderando, terá de fazer entendimentos à Esquerda.
O PS não tem maioria, nem sequer relativa. Mas o PS tem a maioria entre as forças da Esquerda (ou seja, pode liderar essas forças num entendimento de governo), e a Esquerda (unida jamais será vencida!?) tem a maioria absoluta no parlamento pós eleições legislativas de 2015.
Portanto, neste momento, em que CDU (onde eu votei) e BE estão alinhados nas questões macro-económicas (e, asseguro-vos, nenhuma destas forças políticas quer sair do Euro, nem no dia em que sejam empossadas como governo de coligação com o PS, nem dois anos depois, nem 4 anos depois – explicarei mais adiante porquê), em que os portugueses decidiram espalhar uma maioria absoluta por três partidos que se assumem como de Esquerda (como que a garantir que para eles governarem teriam de se entender), se surgir um bloqueio entre as forças de Esquerda, esse bloqueio é objectivamente gerado no PS. Se há 3 partidos e dois estão alinhados, se o terceiro não se abre ao diálogo real e sincero para tomarem conjuntamente as rédeas do país, ainda em profunda crise, para resolver essa crise com soluções de esquerda (visto que as de Direita falharam), então objectivamente esse terceiro partido não quer governar à Esquerda e, portanto, constitui o Bloqueio à Esquerda de que tanto se fala neste país e que se costuma atribuir ao PCP.
Completando este xeque (se me permitirem uma expressão do Xadrez), pois é em posição de xeque que o PS está actualmente, o próprio PCP apela ao PS para se juntar à Esquerda (e não há Direita), afirmando que o PS tem condições (ou seja, que há condições para se forjar um acordo entre os 3 partidos da esquerda no parlamento) para retirar da equação de governação a Direita e governar à Esquerda. O PCP afirmou que o PS só não é governo agora se não quiser e que o PaF só será governo se o PS deixar. O BE está em uníssono com o PCP nisto. Mas há mais…
Como é conhecido, o centro-esquerda convencional (a Internacional Socialista) está em vias de extinção como alternativa de governo. Repare-se que na Grécia, o PASOK desapareceu para níveis de votação próximos do KKP (o partido comunista grego, ~6% dos votos), sendo substituído pelo Syriza, que ocupou o centro esquerda grego de tal forma que já nem lhes chamam radicais. Os Trabalhistas no Reino Unido não conseguem retirar o poder aos Conservadores. Possivelmente o Podemos poderá roubar o eleitorado do PSOE em Espanha brevemente. E sabemos bem as dificuldades do monsieur Hollande em França (que embora no poder, pouco pode ou pode pouco) e está sempre baixo nas sondagens. Isto acontece por várias razões.
Historicamente, os Socialistas Europeus eram a alternativa à Esquerda para quem não queria votar nos Comunistas ligados à URSS. Mas o Muro caiu, o mundo mudou, e a maioria dos partidos comunistas mudando com o mundo acabaram por definhar. O PCP, que se manteve fiel a si mesmo, é dos poucos partidos comunistas com peso real na política do seu país. Mas agora que já não há União Soviética, qual é o papel dos Socialistas? Nesta perspectiva, os Socialistas tiveram de mudar necessariamente e o que fizeram foi ocupar o centro, assumindo políticas económicas de Direita num mundo onde, aparentemente, o Capitalismo venceu a Guerra Fria. Qual o problema disto? É simples. A casa ganha sempre! Se se vai jogar no terreno do outro, segundo as regras do outro, é normal que o outro nos ganhe o jogo. O erro dos Socialistas materializa-se no actual Tratado Orçamental, exclusivamente criado segundo pressupostos económico-financeiros do Centro Direita, que não permitem aos Socialistas (se estes o respeitarem à letra) executar políticas económicas de Esquerda e, dessa forma, não se conseguem apresentar como uma verdadeira alternativa às forças políticas do Centro Direita. Isto, em traços largos, explica o definhar dos Socialistas Europeus.
Se António Costa for realmente, como dizem e esperam muitos socialistas e simpatizantes do PS que nele votaram, um homem politicamente inteligente e que deseja governar o país, à Esquerda como afirmou em Campanha e como alternativa ao governo PaF, perceberá que a única forma de transformar esta derrota eleitoral numa vitória estrondosa é fazer cumprir a vontade da maioria absoluta em Portugal e criar um governo de coligação PS-BE-CDU, tornando-se Primeiro-Ministro legítimo de Portugal.
Só dessa forma, Costa poderá salvar não só a sua carreira política, como o próprio Partido Socialista da extinção.
A primeira parte da frase acima será fácil de perceber porquê. Costa só poderá converter esta derrota eleitoral do PS numa vitória, se se tornar primeiro-ministro apesar dessa derrota. E pode sê-lo, pois a CDU e o BE estão a isso abertos (e as condições que pedem, de que falo mais abaixo, são fáceis do PS satisfazer). E só convertendo uma derrota numa vitória, poderá Costa sobreviver como líder do PS. Reparem que se o PS se coligar à PaF, no máximo roubará o posto de Vice Primeiro-Ministro ao Portas, nunca poderá liderar essa solução de governo. Isto é claro e inequívoco. Mais, se Costa sair agora derrotado, a sua carreira política acabou. Portanto, por auto-preservação Costa tem de fazer o que Sócrates não teve coragem para fazer em 2011: unir a Esquerda em Portugal, quebrar o bloqueio à Esquerda e, dessa forma, governar. Esta é também a forma de Costa se descolar e distinguir do fantasma (político) de José Sócrates! É um dois em um.
Não era essa a força de Costa, ser bom a criar entendimentos?
A segunda parte da frase é igualmente lógica. Para o PS se manter um partido de Centro-Esquerda, não pode agora aliar-se a uma direita castigada nas eleições (pouco, na minha opinião, mas eficazmente) em mais de 700 mil votos.
Mais, em situação de ainda crise nacional (dívida altíssima e impagável nos moldes actuais, o desemprego altíssimo mesmo que usemos os números oficiais e sem que o emprego cresça, um défice descontrolado, um PIB retornado a níveis de 2001, com o Estado Social a ser privatizado e em risco de implosão, etc…), se o PS tem oportunidade de liderar uma maioria absoluta, pode mesmo escusar-se de o fazer perante o país apenas na esperança de causar uma crise política mais tarde e governar sozinho?? Não terá isso um pesado custo político?
O partido Socialista tem uma imagem a manter (e já dizia o Salazar da sua cadeira abaixo “Política é Perceptibilidade”) que não se pode dar ao luxo de perder: a imagem de um partido que assume responsabilidades de governo e que é responsável. Portanto, a sobrevivência política do PS depende, única e exclusivamente, da sua capacidade de tomar as rédeas do país agora. Se não o fizer, não se lembrarão disso os Portugueses daqui a dois anos? Não dirão “Esses xuxalistas só querem é tacho! Porque não governaram logo em 2015?” E não votarão esses portugueses então antes à esquerda no BE e na CDU, ou à direita no CDS e no PSD? Não perderá o PS a sua posição no espectro político nacional se lançar os dados de forma tão descuidada e abertamente interesseira? Eu acho que sim. Se o fizerem, condenar-se-ão à implosão, como o PASOK. E acreditem, o Bloco e a CDU estarão lá para capitalizar dessa implosão e facilmente se coligarão.
Concluindo então que, tanto António Costa, como o próprio PS, necessitam de forjar este governo maioritário de Esquerda para assegurar as suas respectivas sobrevivências políticas, analisemos as condições para esse acordo de Esquerda:
1ª - as sondagens que davam a vitória (relativa, na verdade empate técnico) ao PaF nas últimas eleições, invariavelmente demonstravam que, ainda assim, a maioria dos portugueses preferia um governo de coligação de Esquerda. Respeitando a vontade dessa maioria (absoluta) de portugueses, um tal governo de Esquerda teria, não só o apoio da maioria do povo, como também a concertação social facilitada visto conseguir dialogar facilmente tanto com UGT como com CGTP, por razões a todos óbvias. Mas mais que as sondagens, os votos dos portugueses são expressivos, e nisto tenho de agradecer o artigo do Daniel Oliveira no Expresso, que é esclarecedor. O PS não perdeu por virar à Esquerda, perdeu porque muitos votos do Centro fugiram-lhe para o BE e para a CDU que estão à esquerda do PS, visto que a coligação perdeu votos e o próprio PS teve mais votos face ao que teve nas eleições de 2011. Ou seja, todos os partidos de Esquerda cresceram face aos resultados de 2011, incluindo o PS, mas o PS não foi esquerda o suficiente para convencer a maioria desses eleitores que deixaram de votar PaF sem se absterem, e que acabaram maioritariamente por votar no Bloco de Esquerda. Isto para clarificar que o povo (a maioria, neste momento) quer Esquerda no Governo. Logo o PS está legitimado para liderar essa solução, por mais que isso desagrade a Cavaco, Passos e Portas et all ad noseum;
2ª - o PCP (no âmbito da CDU) aligeirou muito o seu discurso anti-euro, afirmando claramente duas coisas: devemos preparar a saída do Euro para termos um plano B quanto mais não seja para o caso de não termos outra escolha; mas, nessa matéria, como em todas o PCP (a CDU) respeitará a vontade dos portugueses. Desta forma, no ponto que talvez fosse mais difícil o entendimento, o PCP dá todo o espaço de manobra ao PS, não insistindo numa saída do Euro, apenas no estudo de como se fazer uma possível saída, que pode bem nunca vir a concretizar-se se o Euro (enquanto moeda) se aguentar. O BE há muito que tem uma posição aberta (podemos sair, podemos ficar) quanto ao Euro, portanto não levantará nisto objecções;
3ª - há toda uma série de políticas que ficaram por executar durante 4 anos que são comuns a toda a Esquerda Portuguesa. Obras estruturais para alavancar a economia (renovar linhas de caminhos de ferro, portos, estimular a pesca e a agricultura), a redução da carga fiscal nas famílias e na restauração, a questão da co-adopção (e raios, a adopção completa) por casais LGBT, a restituição do estatuto de isenção dos dadores de sangue para evitar a escassez deste elemento no SNS, resolver a questão do desperdício de plasma (de preferência lucrando disso o SNS, tornando-se mais sustentável, e não as Farmacêuticas), a restituição do anterior regime da IVG desfigurado pelo governo PaF, desfazer o mal que este governo fez na Educação e na Justiça (que se se tornarem mais ágeis, actuais e eficazes, ajudarão a estimular a economia portuguesa), fortalecer os direitos laborais, salvaguardar as pensões, etc... Estas serão as bases para um entendimento de governação. Dir-me-ão as vozes da Direita “E o Dinheiro vem de onde?”! Vem dos dinheiros comunitários (porque não sairemos da UE) & da libertação de verbas estatais do Serviço da Dívida (pagamento de juros) oriunda de uma renegociação da dívida. E claro da captação de investimento privado.
4ª - António Costa pediu ao PS um mandato para poder dialogar à sua Esquerda sobre a renegociação da dívida. Já falei disto, é algo não só natural mas (e reparem como posso usar os argumentos da Direita) NECESSÁRIO de fazer se queremos pagar a dívida e, dessa forma, recuperar algum do nosso nível de vida e soberania nacional. As empresas fazem renegociação das suas dívidas com toda a naturalidade quando chegam a situações bem menos más que aquelas em que o nosso país está. Não é um bicho de 7 cabeças. E podemos e devemos fazê-lo indo ao encontro da Troika, bem acompanhados dos nossos pares Irlandeses e Gregos, quiçá até Espanhóis e Franceses. Pode e deve começar uma mudança na Europa, que começa a mostrar perigosos sinais de se encaminhar cegamente para a auto-destruição. Podemos inverter esse rumo, mas só em grupo. Aprendamos com a Grécia, não podemos ir sozinhos enfrentar os credores;
5ª - e quanto ao Tratado Orçamental, o Hollande (um socialista europeu) já o congelou (como o PaF por cá fez a carreiras e pensões), por isso nós, não tendo necessariamente de o rasgar (mais uma vez espaço de manobra que BE e CDU dão ao PS), podemos simplesmente dizer que não vamos cumpri-lo durante 4 anos para nos reerguermos e podermos realmente ter condições de o cumprir, SE ASSIM DECIDIRMOS NO FUTURO.

Estão então reunidas as condições dum governo maioritário de Esquerda, com o PS à sua cabeça, coligado com BE e CDU, com uma maioria absoluta estável como o Cavaco quer/exige (embora não fosse esta que ele quisesse). Não só estão reunidas essas condições como é do interesse do PS e do seu actual líder, por questões óbvias de sobrevivência política, que tal governo se venha a fazer. Até João Soares, que na altura das Primárias era pelo Seguro(e percebe-se que os Seguristas são no PS actual a ala direita), afirmou que Costa tem de se coligar à Esquerda. Até Cavaco, implicitamente disse a Costa que coligar-se à Esquerda é a sua única saída, quando disse que esperava “que os partidos” (leia-se o PS) “ coloquem à frente dos seus interesses” (leia-se sobreviver politicamente) “os interesses de Portugal”. Acontece que, na sua habitual cegueira sectária, Cavaco Silva se esqueceu que prometeu ainda antes da campanha eleitoral que só empossaria um governo de MAIORIA ABSOLUTA (que a Esquerda pode e deve fazer). Ao mesmo tempo, os Portugueses ouviram Cavaco e deram essa maioria absoluta à União da Esquerda.
Qual é então a dúvida, senhor Costa? Tem a bola nos pés, quer marcar golo ou auto-golo?
Eu gostava que as redes sociais se incendiassem por esta outra via, democraticamente legitimada, fazendo notar-se o seu apoio a um governo de Esquerda, só para o caso dos votos não serem suficientes. Manifs perante a fachada da sede do Partido Socialista no Rato, em Lisboa, também seriam boa ideia. Vá lá, anonymous portugueses, apartidários, indignados, independentes, simpatizantes do PS, da CDU e do BE, saltem do sofá. Está na hora duma viragem verdadeira.
‘Bora lá resolver esta embrulhada e fazer valer o Prólogo da Constituição da República Portuguesa: toca a desengavetar o Socialismo e faça-se cumprir Abril, porra!

2 comentários:

  1. E assim nasce um brilhozinho nos meus olhos! Grande texto (sim, grande nas várias acepções da palavra) e grande oportunidade que está em aberto. Let us wait and see. :)

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