terça-feira, 4 de outubro de 2011

A Via da Mão Nua - Parte 1_Oss

Karate Do significa literalmente "Via da Mão Nua". É uma arte marcial. Na minha opinião, é um dos sistemas de artes marciais mais completos e práticos. É uma arte marcial de "meia idade". Se o Kung Fu for uma arte marcial ancestral e por exemplo o Crav Maga uma arte marcial moderna, o Karate surgiu entre uma e outra, em termos de origens históricas.

Como acontece no Kung Fu, seu antecessor evolutivo, existem várias escolas ou estilos de Karate, que variam conforme a personalização que cada mestre traz. Muitas vezes depende apenas da maneira como cada mestre enfrentaria determinada situação. E, como é típico nos humanos, embora todos tenhamos 2 pernas e 2 braços e uma cabeça, há variadíssimas perspectivas sobre como os empregar para auto-defesa.
Que não hajam equívocos: o Karate é uma arte marcial de defesa pessoal. Foi concebida pelos camponeses, proíbidos por lei na época feudal de possuírem armas ou de se treinarem com elas, como um sistema de defesa desarmado. Usavam-no para se defenderem e aos seus de piratas e salteadores, enquanto os senhores feudais que os deviam proteger se andavam a matar uns aos outros. Embora seja de defesa, é uma arte marcial produzida num ambiente em que os seus golpes, a sua eficácia, poderia ser a diferença entre a vida e a morte. E como tal, o Karate pode ser letal. De facto, a filosofia de combate do estilo de Karate que pratiquei e pratico é "um golpe, uma morte!". Não quer com isto dizer-se que o Karate tem de ser sempre letal. Compete ao karateca saber controlar o seu poder na sua totalidade, obter o tão desejado auto-controlo. Hoje em dia seria talvez mais adequado dizer "um golpe, um adversário derrotado". Mas dizemos a frase tradicional, para passar a ideia de eficácia de uma forma mais pungente. Mas sabendo e transmitindo que não treinamos para matar, treinamos para defender a vida, de forma violenta se absolutamente necessário.


O estilo que pratiquei e que sempre será a minha base nas artes marciais chama-se Shotokan. Acima pode-se ver o seu símbolo, um tigre. O mestre que criou este estilo chamava-se Guinshin Funakoshi. Abaixo estão expostas as máximas do seu estilo:


Estas simples máximas são bastante reveladoras relativamente ao que o sensei Funakoshi desejava instigar no carácter dos seus alunos. E lendo nas entrelinhas, vemos que surgem por consequência natural destas cinco, outras máximas. A etiqueta, o auto-controlo, a sinceridade e o carácter produzem respeito, por nós mesmos e pelos outros com os quais nos cruzamos. O auto-controlo e a etiqueta implicam boas maneiras no trato com os outros. A sinceridade e o carácter exigem honestidade.
E embora seja uma arte marcial (= combate) não quer de maneira nenhuma implicar que seja um veículo de violência. Até hoje, em onze anos de Karate, nunca usei os meus conhecimentos fora do dojo. Aprendemos, precisamente no Karate (ou pelo menos assim me ensinaram os meus mestres), que a violência não é uma solução, apenas uma última medida desesperada. O Karate ensina-nos a experimentarmos todas as avenidas antes de recorrermos à violência. Uma vez contaram-me uma história no dojo. Um dos senseis ancestrais a certa altura, já um mestre de pleno direito, foi assaltado na rua e ao invés de resistir ao assaltante, tendo o poder de o matar com as próprias mãos, optou por lhe dar tudo o que tinha e voltar nu para casa, de cabeça erguida. Homens menos cultos poderiam dizer que a sua atitude foi cobarde. Eu digo que foi a mais honrosa possível, evitando qualquer violência em prole de reter meras posses materiais. Como diziam no filme original do Karate Kid "Treinamos para não termos de lutar!". "Mas se tivermos que lutar, que seja pra vencer!"(não estou a citar, mas a parafrasear). Pensando bem, acho que o fictício Mr Miyagi (interpretado pelo único Pat Morita) foi o meu primeiro mestre de Karate, anos antes de eu ter pisado o interior dum dojo.


O Karate tem muitas dimensões. Uma dimensão física pois treinamos o nosso corpo a todos os níveis (elasticidade, força, agilidade, rapidez), para estar aptos numa situação de perigo. Uma dimensão mental, treinamos a nossa mente para que a reacção do corpo seja rápida, precisa, eficaz e calma; desta forma, quando tal reacção for necessária, surje numa forma que eu descreveria como um "instinto consciente e controlado"(parece uma contradição nos termos, mas é esse o objectivo ideal). Pode ter igualmente uma dimensão social e cívíca, pois podemos construir dos seus ensinamentos mais puros um conjunto de princípios morais que podem ser aplicados em todos os aspectos da nossa vida. &, last but not least, a espiritual: pois o que procuramos é quebrar os limites da nossa mente e corpo, e mesmo os obstáculos entre um e o outro (ao treinarmos karate lidamos muito com a frustração de o corpo não ser tão rápido ou forte como a mente deseja que seja, ou por outro lado, que a mente já cansada não comande o corpo como deve de ser. Procuramos eliminar essas dificuldades). Procuramos a transcendência e a iluminação, trabalhando corpo e mente, como um todo.

O sensei Funakoshi deixou uma frase para as gerações vindouras que para mim diz tudo:

"O propósito do Karate não é a derrota nem a vitória, mas o aperfeiçoamento do carácter do praticante."
Uma filosofia bem mais saudável que a filosofia ocidental criada nos EUA em que ou somos os melhores ou somos Losers... não há meio termo. Prefiro a via do sensei Funakoshi.


A mim, pessoalmente, o karate ajudou-me muito! A um nível básico melhorei a postura do meu corpo, ganhei destreza física e saúde. A um nível psicológico ensinou-me a focar, ensinou-me a escapar à realidade por breves momentos entregando-me de corpo e alma ao treino, e permitiu-me perder um pouco da timidez inibidora que tinha anteriormente. Sim, também me sei defender, tenho um bom auto-controlo da minha arte, e ando com segurança onde outros poderão andar com medo. Mas ensinou-me também a evitar locais onde possa encontrar problemas. Ensinou-me a andar na rua atento e focado, quer seja aos carros, às pessoas que me rodeiam, a tudo. Deu-me um novo nível de consciência pessoal, além de me dar a oportunidade de conhecer pessoas espectaculares, algumas das quais com capacidades verdadeiramente incríveis.
Voltaremos a abordar este assunto tão vasto, tão potente...



OSS

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