sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Automatismo no Japão Medieval - Karakuri Ningyo

Autómato, em termos técnicos, indica um engenho que consegue realizar determinada tarefa de forma independente, uma vez accionado. Exemplo: os UAV norte-americano usados para fazer vigilância remota. São accionados e através da instrumentação que possuem vão do ponto A ao ponto B e retornam a A, conseguindo informação através de câmaras e sensores, que reenviam para a base por telemetria. Se houver alguém a controlá-los remotamente, como no caso de um avião telecomandado, já não são considerados autómatos. Nesse caso, não possuem autonomia na execução da sua tarefa, pois necessitam de um humano a controlá-los.
Karakuri é uma palavra japonesa de duplo significado. Pode querer dizer “mecanismo” ou “truque”. Ningyo por sua vez é escrito pela composição de dois caracteres, uma para “pessoa” e outro para “forma”. Literalmente obtemos uma composição, que pode bem servir a definição para autómato humanóide: um mecanismo com a forma de uma pessoa. Não literalmente, este nome composto pode simplesmente ser traduzido para boneco, fantoche ou efígie.
São engenhos capazes de desenvolver uma actividade específica e pré-programada na sua estrutura, apenas utilizando mecânica pura, podendo a sua locomoção ser gerada através de areia, molas ou mercúrio.
Remontam ao período Edo (de 1603 a 1867) na História do Japão, e eram usados para recriar mitos e lendas ou encenações de momentos históricos, tendo dessa forma influenciado as mais tradicionais formas de teatro japonês: Noh, Kabuki e Bunraku.
Mas não foi apenas no teatro que estes antepassados dos robots se imiscuíram. Os butai karakuri (ou karakuri de palco) eram utilizados nos teatros. Mas haviam também os zashiki karakuri (ou karakuri de tatami caseiro), de pequeno porte, para serem utilizados em casa. E ainda os dashi karakuri (karakuri tipo carros alegóricos), que eram usados em festivais religiosos e encenações de mitos e lendas tradicionais.
Poucos destes autómatos sobrevivem hoje em dia e a arte em si era mantida secreta, passada de artesão mestre para o seu púpilo, numa cadeia frágil que conseguiu ainda assim trazer esse conhecimento até aos dias de hoje.
Acima vemos exemplos mais comuns de zashiki karakuri, sendo neste caso um servidor de chá, que ganha “vida” quando lhe é colocada nas mãos uma chávena. O mecanismo avança em linha recta, movendo os pés para simular o andar humano, e baixa a cabeça em vénia ao avançar. Isso indica ao convidado que o chá é para beber e, quando este remove a chávena das mãos do boneco, o karakuri pára. Quando a chávena é recolocada nas mãos do fantoche mecanizado, este reergue a cabeça, dá meia volta e retorna para de onde veio. Tipicamente é potenciado por molas feitas de osso de baleia e as suas acções são programadas pela acção de alavancas e rodas dentadas. Este tipo de karakuri era utilizado especificamente quando o anfitrião desejava divertir os seus convidados durante o chá.

Façamos agora uma pequena comparação com o resto do mundo, apenas aproveitando esta oportunidade para percebermos há quanto tempo o homem anda a tentar recriar-se a si mesmo e a vida em geral de forma autónoma.
O caso mais famoso e ao mesmo tempo mais antigo de autómatos no mundo Ocidental, pertence a Heron de Alexandria, um engenheiro da Antiguidade que fez diversos autómatos (entre muitas outras coisas, como por exemplo “O princípio do caminho mais curto da luz” e uma método iterativo para se calcular raízes quadradas), alguns deles para fins religiosos, utilizados em templos para deixar os fiéis sem fôlego ao entrarem no templo. Heron viveu no século I D.C., criou variadíssimos autómatos como, por exemplo, a Aeolípile, em que uma câmara circular é colocada em movimento pelo uso de água vaporizada e condutas que encaminham esse vapor para a câmara circular de onde depois ele sai por outras condutas que fazem a câmara rodar num eixo. Os variados trabalhos de Heron foram traduzidos para latim no século dezasseis, tendo até então sido mantidos por monges copistas. No renascimento, os seus trabalhos foram recriados e tornaram-se a base para outros autómatos movidos a vapor.
Mas há relatos não confirmados, nomeadamente por Pindar, um historiador grego do século V A.C., que descreve Rodes da seguinte forma na sua sétima Ode Olímpica:
“Lá estão as figuras animadas/ Adornando todas as ruas públicas/ E parecem respirar em pedra, ou / mexerem os seus pés de mármore.” (tradução minha do inglês que está na wikipédia.)
Mas também o Médio Oriente tem relatos históricos antiquíssimos sobre autómatos, envolvendo aquele que foi provavelmente o maior engenheiro e místico do seu tempo, Salomão. É contado que ele criara um trono no seu templo (cuja arquitectura é ainda hoje venerada pelos mestres maçónicos) adornado com animais mecânicos que o anunciavam como rei quando ele a este ascendia. É ainda dito que quando ele se sentava no trono, uma águia colocava-lhe uma coroa na cabeça e uma pomba entregava-lhe um pergaminho do Torah.
Da China antiga, surge também um relato interessante no texto Lie Zi, escrito no século III A.C. Nesse texto, há uma descrição de um acontecimento muito mais antigo, um encontro entre o rei Mu de Zhou (1023 – 957 A.C.) com um engenheiro conhecido como Yan Chi. Este último apresentou ao rei um autómato humanóide de tamanho real que criara. O rei ficou espantado quando viu a figura andar em passadas longas e decidas, e quando o engenheiro lhe tocou no queixo, ele começou a cantar em perfeito tom e ritmo. Ao se aproximar o desfecho da canção, o autómato terá piscado o olho, flirtando com as mulheres presentes, o que deixou o rei ofendido e desejando a cabeça do engenheiro. Este então, temendo pela vida, desfez o autómato e mostrou ao rei que era feito de cola, madeira e couro. O rei observou que todos os órgãos estavam representados no autómato e que quando se lhe removia um o mecanismo perdia capacidades: exemplo, removendo o coração, ele não mais cantava. O rei terá ficado maravilhado.
Em tempos medievais, em que o império Árabe era um poço de conhecimentos científicos que meteriam os seus homónimos europeus da época a um canto, Bagdade era conhecida pelas estátuas que adornavam as suas muralhas e torres e que se moviam com o vento, em meados do século VIII, D.C. É relatado ainda que em 827 o califa Al Ma’mum tinha no seu palácio uma árvore em ouro e prata que ganhava vida e de onde surgiam pássaros cantantes feitos de metal.
No Renascimento, com a publicação dos trabalhos de Heron, o automatismo regressou em força. Até Da Vinci projectou um de cujos desenhos só foram reencontrados nos anos 50 do séc. XX. O autómato seria capaz de mexer a cabeça, os braços e sentar-se com postura perfeita.
Muitos autómatos foram também usados para embelezar as fontes e jardins dos palácios europeus nessa época.
Para mais detalhes sugiro a página da wikipédia sobre o tópico que tristemente não existe traduzida para português:
http://en.wikipedia.org/wiki/Automaton

Este tópico surgiu devido ao facto de estar agendada para a próxima terça-feira, 22 de Novembro, às 18h, no Museu do Oriente, em Lisboa, uma palestra sobre os Karakuri, dada pelo mestre “HARUMITSU Hanya, que nasceu em 1942 e dirige a oficina de Restauro de Bonecos Mecânicos Karakuri, onde se restauram e fabricam bonecos autómatos utilizando as técnicas antigas. Na sua conferência, o mestre mostrará e explicará o funcionamento de três exemplares de bonecos: o boneco que serve chá, o boneco acrobata e o boneco mágico. Uma oportunidade de descobrir um dos aspectos mais desconhecidos da tradição japonesa que une passado e futuro da alta tecnologia do país do sol nascente.”
(esta informação chegou-me por mail pela Embaixada do Japão em Portugal e o texto acima citado está no site do museu do Oriente:

http://www.museudooriente.pt/1335/bonecos-karakuri.htm )
Aproveitem pois a ENTRADA É LIVRE (pendente a lotação da sala) e é uma palestra muito interessante quer para quem nutre um gosto pela cultura japonesa, quer para quem simplesmente goste de robótica.

Se não conhecem, podem igualmente aproveitar o fim de semana para ver o filme Blade Runner, com Harrison Ford no principal papel e Ridley Scott como realizador, que trata precisamente o tópico do que acontece quando os seres humanos criarem autómatos completamente conscientes e vivos, embora artificiais. Escolhi este filme não só por ter a ver com o tópico mas também por ser visualmente espectacular e por na Los Angeles que é mostrada no filme e que seria o futuro dessa cidade, se falar um dialecto que mistura japonês com outras línguas.
http://www.imdb.com/title/tt0083658/

NOTA: Não, não existe uma versão anime deste filme, isto é arte de fã que encontrei online e que aqui dou destaque pelo belíssimo trabalho. Contudo, Ridley Scott já disse que depois de acabar o filme Prometheus que é uma prequela não directa do filme Alien, irá fazer um filme dentro do universo do Blade Runner embora sem conexão aos acontecimentos do filme em si. Talvez daí venha a surgir uma série de anime.

Sayonara e bom fim de semana, com chuva e relâmpagos, mesmo bom para estar em casa e escrever... -_´ eheheheh

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