sábado, 29 de junho de 2013

Montanhismos Octogenários


Assim perguntou Gollum a Bilbo, n’”O Hobbit”:

What has roots as nobody sees,
Is taller than trees
Up, up it goes,
And yet never grows?

A resposta, como deveis saber, caro leitor, é uma montanha. A montanha que não foi ter com o Maomé, a montanha que é sinónimo de obstáculo que só pode ser superado com uma jornada repleta de perigos.

Que tem isso a ver com octogenários? Bem, no passado mês de Maio, deste ano gregoriano de 2013, um senhor japonês chamado Yuichiro Miura, tornou-se no primeiro octogenário a atingir o cume do monte Evereste (que pode ser visto na imagem acima).
Fê-lo com o apoio duma equipa de peritos montanhistas, na companhia do seu filho, Gota, e sob remota vigilância da sua filha, Emili, que os acompanhava mentalmente.
Segundo a equipa de apoio de Miura, centralizada em Tokyo, o pico foi atingido às 9h05min da hora local, na quinta-feira dia 23 de Maio, tornando Miura o mais velho conquistador do Evereste. Yuichiro e Gota fizeram um telefonema do topo do Evereste, que gerou um sorriso e um bater de palmas por parte de Emili, momento captado por uma equipa da NHK (a emissora pública japonesa). No telefonema, Yuichiro disse: “Consegui! Nunca imaginei conseguir escalar o Evereste aos 80. Este é a melhor sensação do mundo, embora eu esteja totalmente exausto. Até nos 80, ainda passo muito bem.” Numa transmissão de rádio para a estação Kyodo, feita também a partir do ponto mais alto do mundo, na qual Yuichiro disse: “Chegamos ao topo. 80 anos e 7 meses… A mais incrível equipa de alpinistas do mundo ajudou-me o caminho todo até cá acima.”
A chegada ao cimo, foi capturada em vídeo e acompanhada a 10 quilómetros de distância, por uma equipa da agência Kyodo, com uma câmara colocada numa elevação a 5500 metros do topo.
Contudo, o recorde de Miura é de vida curta, pois nos seus calcanhares já vinha um escalador nepalês de 81 anos. Emili, filha de Yuichiro, afirmou que o recorde ao pai pouco importa pois ele faz o que faz pelo desafio em si e está em competição é consigo próprio. Um atitude admirável, na minha opinião, que me relembra uma afirmação de Funakoshi, mestre fundador do Karate Shotokan, que disse e parafraseio: “O Karate não é acerca da vitória ou da derrota, é sim sobre o aperfeiçoamento do carácter do praticante.”
Antes de deixar o tópico do montanhismo, quero apenas recordar que também este ano, pela primeira vez, uma mulher portuguesa escalou o Evereste. Parabéns, Maria de Conceição, pelo objectivo cumprido.Eu soube da notícia via jornal Público, onde é dito(clicar nesta frase para ler a notícia toda):
“Maria da Conceição queria ser a primeira mulher portuguesa a escalar o Everest. E conseguiu. A hospedeira de bordo alcançou o cume da montanha mais alta do mundo esta terça-feira, às 9h13m locais (4h28m em Portugal). A iniciativa tinha um objectivo principal: angariar um milhão de dólares (cerca de 800 mil euros) para a Fundação Maria Cristina, que ajuda famílias carenciadas no Bangladesh.”
Só para terminar o tópico de montanhismo, gostaria de recordar que desde 1953 que o Evereste já matou mais de 300 alpinistas, como avisa e recorda a foto abaixo, tira a 17 de Maio de 2010, quando dois corpos foram recuperados da montanha (fonte).
Quero também aproveitar esta oportunidade para indicar que o meu avô materno, o último que me resta vivo, fez, neste último 8 de Junho, 89 anos de idade. Ainda está com uma saúde brutal, vai todos os dias tratar da horta, tem a sua autonomia, come que nem um diabo acabadinho de escapar do inferno e nunca engorda (infelizmente não herdei essa sua qualidade genética, ehehe), e não pára de vociferar sobre a sociedade em que vivemos, em particular a podridão do mundo político. Este meu avô sempre foi uma fonte de inspiração da minha imaginação, pois ele também adorava contar histórias, na sua maioria super exageradas, embora algumas também bem contextualizadas na História que lhe foi (literalmente) reguada cérebro adentro. Hoje em dia, a minha mãe está-lhe sempre a contestar as estórias sobre a sua ida à Índia e outras parecidas, e a sua memória já não lhe permite conjugar com a admirável precisão que antes tinha para um homem que só tinha a antiga 3ª classe completada e que, como a maioria da sua geração, começou a trabalhar muito cedo. Por falar em trabalho, trabalhou 55 anos numa só empresa de camionagem, tendo continuado a trabalhar em biscates e ferro-velho durante muitos anos após se reformar. Quando no seu apogeu, era o tipo de homem capaz de ir para dentro dum bosque e construir um centro comercial. Pronto, estou a exagerar... um bocado... vá muito, mas assim percebem a ideia na boa tradição da minha família! eheh É verdade que ele prometeu a mim, e a todos os meus primos maternos, que construiria um avião a cada um de nós e eram só babelas, mas fez carros de rolamentos para os filhos, pranchas de bodyboard feitas em material compósito e uma rampa de skate enorme para os meus primos. A mim ofereceu-me uma bicicleta, o meu primeiro computador, ensinou-me a cerrar lenha, soldar aço (e ainda recentemente o vi a soldar e posso testemunhar que solda à mão tão bem como certas máquinas industriais), e também ética de trabalho e liderança, além de estimular a minha imaginação. E ainda recentemente me espantou, sabendo bem o que é o processo de vulcanização da borracha, que eu dei numa das cadeiras da universidade. Relembro que ele só (?) frequentou a universidade da vida, na qual ainda labuta.
Tem uma reforma de 600 e poucos euros, que no geral em Portugal e na sua geração e extracto social não é nada má, mas compreenda-se que é a dele somada a uma contribuição da da minha avó materna já falecida. E tendo em conta que a empresa para quem ele trabalhou entretanto negociou uma indemnização por vários anos que não lhe fez os devidos aumentos na reforma, de acordo com regras que eu sinceramente não conheço para delas falar, e fizeram-lhe as contas nessa indemnização para ele viver até aos 83 anos. Vejam lá o dinheiro que os sacanas não pouparam já. Interessante notar-se ainda assim que o “ordenado” dele (como ele lhe chama) nem chega para lhe conseguir actualmente uma estadia num lar da terceira idade (como indica a notícia abaixo). Sorte a dele que nos tem a nós e a nossa a sua saúde inquebrantável e orgulhosa autonomia. É claro que não poderia passar esta oportunidade sem honrar a sua vida criticando eu também um dos males sociais da actualidade e para este último chamar atenção:
Ele está agora a percorrer a fronteira entre os 80 e os 90, e eu espero vê-lo a superar a dos 110. O meu avô sempre disse: “Pede pouco se queres muito.” Mas eu sou orgulhoso e não aprendi essa lição!
Eu tenho este exemplo na família, e outros que tais dos meus avós paternos, de pessoas que vivem até idades avançadas com uma autonomia para lá da norma. Faz-me pensar sobre como estamos a evoluir em termos de longevidade, o que gera dois problemas imediatos: a subsistência do Estado Social e o aumento demográfico mundial. Mas o facto é que também é pelo facto de vivermos até mais tarde que permite uma melhor passagem de conhecimentos nas sociedades e uma mais rápida evolução. É interessante vermos dicotomia de uma situação. Todo o bem tem a sua cota parte de mal. Leva-me também a considerar que a vida e a morte têm uma relação bem mais complexa que serem a simples antítese uma da outra.

Uma das minhas preferidas curtas-metragens é a do "The Old Man and the Sea", precisamente porque sempre me recordo do espírito guerreiro, inquebrável e indomável do meu avô:
Nota: talvez venha a fazer legendas para ela mais tarde e se o fizer alterarei devidamente esta entrada.
Seja como for, eu considero os meus avós as raízes nada invisíveis do ramo da minha família que em mim culmina, só para fazer a ligação ao poema com que abri esta entrada. São, para mim e apenas porque são os mais velhos que conheci na minha linhagem, o ponto de partida da minha escalada rumo às estrelas.
Sayonara, tomodachi! ;)

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