"No momento do flash, senti como se faíscas invadissem os meus olhos. Num ápice, a casa desabou. O estrondo atirou-me para o fundo da cozinha, e perdi a consciência. (...) Acordei num abrigo contra bombas e a minha mãe estava a chamar, "Kazuco!" Olhei para ela e vi que a sua cara também estava queimada, o cabelo tinha ardido todo e estava nua. Parecia que o seu corpo estava assado. "Mãe!", respondi, mas sentia demasiado medo para me aproximar dela. (...) Então lembrei-me de que outro irmão meu tinha voltado à escola para buscar algo de que se tinha esquecido. Saí com outro dos meus irmãos para o procurar. O edifício estava em ruínas e tudo o que encontrámos foram caveiras brancas espalhadas. Nenhuns torsos. Nunca saberei o que aconteceu ao meu irmão. A minha mãe morreu no dia seguinte, dia dez. A sua cara estava tão queimada, tenho a certeza que morreu em grande sofrimento." -> Kazuko Nagase, de Nagasaki
(8 anos na altura)
«De repente, um clarão. Uma luz branca azulada que cegava. Por um instante, os carris, as carruagens, a plataforma, tudo desapareceu da minha vista. Depois a explosão. A pele da minha barriga parecia que se ia rasgar e cuspir os meus intestinos. Partículas cor de laranja avançavam lentamente. De repente, aumentaram e transformaram-se numa enorme massa de fogo que caía sobre nós. Colunas de chamas saíam da terra em remoinho soltando setas de luz de todas as cores. Beleza feroz e terror indizível! Comecei a sentir arrepios de frio por todo o corpo e a tremer. Virei-me e pensei: Tenho de fugir! (...) A 9 de Agosto, a minha irmã piorou muito. Suplicando numa voz sumida "Ajuda-me, mãe!", encontrou a morte. Não havia nada que a minha mãe pudesse fazer. A minha irmã tinha dezasseis anos. (...) Vazio de esperanças e sonhos, o meu coração não sentia mais senão ódio pelos EUA, por terem assassinado a minha irmã e os meus amigos. (...) Enquanto estiver cheio de amargura, nunca conhecerei a alegria. A amargura só alimenta ódio. Como seria a estender a mão aos EUA (...) e trabalhar pela paz? Seria a melhor coisa que eu podia fazer pelas vítimas da guerra."» -> Yasuhiko Takeda, Hiroxima
(12 anos na altura)
"... nesse dia a bomba roubou as preciosas vidas da minha família. (...) De repente, ouvimos uma explosão enorme e ficou tudo preto. O prédio estava todo a abanar. Não vi o clarão, atirei-me para debaixo da secretária. Quando a luz voltou, corri lá para fora à procura da minha irmã (...) Os nosso sapatos pegavam fogo. (...) Deparámo-nos com um eléctricopreto que tinha saído da linha. O condutor estava carbonizado. Os corpos pendurados nas janelas estavam queimados num dos lados e parcialmente no outro. Os ossos fora dos corpos. Os meus nervos estavam tão paralizados que nem sentia medo. à volta do rio aglomeravam-se pessosas nuas, tão gravemente queimadas que não se distinguia homem de mulher, criança de adulto. Choravam, gemiam. O rio estava entupido de corpos." -> Fujie Yamada, de Nagasaki
( 22 anos na altura)
"Agora percebo que o flash da bomba atómica me atingiu de um ângulo por cima da minha cabeça. Entrou pelos meus olhos fechados e foi direito ao meu cérebro. Eu estava a 1.6 km do hipocentro onde a temperatura atingiu mais de 1000º C. Contorci-me com dores, como se tivesse sido atirado para um fogo. No instante seguinte, a luz desapareceu. Tudo à minha volta ficou preto, e deixei de sentir dores. Suspeito que todas as camadas de pele estavam tão gravemente queimadas que até os nervos ficaram inactivos. Comecei a pensar que, queimado por uma luz misteriosa, estava a entrar no reino da morte. Na realidade, uma nuvem gigante em forma de cogumelo bloqueava a luz do sol e mergulhava o mundo na escuridão. (...) Fiquei confinado à cama durante muitos anos, com 10 operações pelo meio. Pensei no suicídio. 30 cm do meu intestino grosso foram removidos. Tenho uma anca e uma coza arteficiais. E sinto sempre muitas dores. (...) Eu queria desenhar máquinas. Mas esse sonho perdeu-se com a bomba atómica. As pessoas pensavam que a doença da bomba atómica era contagiosa, por isso havia sempre muita discriminação contra os sobreviventes. (...) O ponto de partida para a paz é um coração que consiga sentir a dor dos outros. Se as pessoas se colocassem na pele umas das outras, não existiria guerra nem terrorismo." -> Akio Sakita, de Nagasaki
(tinha 16 anos na altura)
Estes são ecos históricos, testemunhos em primeira mão, do horror e sofrimento que nenhum de nós excepto eles consegue começar a imaginar, do dia em que o inferno esteve na terra, em pleno Japão. Eles, entre muitos, são os hibakusha, sobreviventes da bomba atómica, guerreiros pacíficos cuja causa é um mundo do Homem em paz consigo mesmo. São os primeiros heróis da guerra atómica. Juntemo-nos a eles, recordando esse erro histórico e lutando para nunca o voltemos a cometer enquanto espécie.
Fez este ano 65 anos.
Depois disso, já sobrevivemos à Guerra Fria.
Agora vem a Era do Terrorismo e das novas Guerras (ditas) Sagradas.
O desafio continua. Não podemos esquecer o sofrimento, a destruição, que houve em tão curto espaço de tempo.
PAX!
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